quinta-feira, 13 de dezembro de 2007



cartas

Hoje recebi duas cartas. Cartas mesmo. Daquelas de papel, em que para abrir e ver o seu conteúdo temos de descolar o envelope, com muito cuidado, ou rasgá-lo deixando nele as marcas da nossa impaciência. Daquelas cartas em que não é preciso clicar numa tecla para abrir e que podemos guardar numa caixa de recordações ou amachucar, rasgar e deitar fora em vez de fazer “delete”.

Uma delas era, esteticamente, muito bonita. Tinha um envelope azul, de um bom material, e, dentro do mesmo, um cartão impresso de muito bom gosto. Tratava-me por “Estimada Sra. Dra.”; utilizava vocabulário muito cuidado e requintado; desejava-me as boas festas em várias línguas e despedia-se simulando uma sinceridade que me incomodou. Nada foi descurado e, por isso, para dar um ar mais pessoal, o último cumprimento e a assinatura estavam manuscritos a tinta azul.

A outra carta era um envelope feito pelo remetente, de papel pautado. Tinha fita-cola à vista e era ligeiramente assimétrico. No interior, tinha uma folha de caderno diário dobrada em quatro; estava manuscrita numa caligrafia arredondada e sem erros ortográficos; tratava-me por “Querida Professora”; não me desejava boas festas noutra língua que não fosse a portuguesa; usava vocabulário pobre e repetitivo. Mas foram palavras escritas, da melhor forma possível, para mim.

A carta azul de boa qualidade e palavras caras já foi colocada no papelão. O envelope de papel pautado com a folha de caderno e as suas palavras, simples mas doces, ficaram numa caixa para quando precisar de me recordar que ainda há crianças que fazem todos os quilómetros percorridos valer a pena.