quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

As coisas sonhadas...




“As coisas sonhadas só têm o lado de cá… Não se lhes pode ver o outro lado… Não se pode andar à roda delas… O mal das coisas da vida é que as podemos ir olhando por todos os lados… As coisas de sonho só têm o lado que vemos… Têm uma só face, como as nossas almas.”

O Livro do Desassossego, Bernardo Soares



segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

être et avoir


Não, não se trata aqui de conjugar os “malditos” verbos franceses.
“Être et avoir” é o nome de um filme (ou documentário) que nos revela o dia-a-dia de uma turma constituída por alunos de diferentes idades e níveis de ensino numa escola de uma região rural, em França.
É um filme doce e ternurento ao qual não conseguimos assistir sem um sorriso tolo nos lábios. Vi-o pela primeira vez na fnac, creio que por ocasião do festival do cinema francês de 2004. Lembro-me de ver pessoas que apenas espreitavam e, depois de observar durante uns minutos, conseguiam arranjar um espaço no chão, em pé ou encostadas a um bocadinho de parede que restasse livre e ficavam a assistir… sempre com o tal sorriso… Voltei a vê-lo agora e gostei tanto como na primeira vez.
Neste filme não temos actores escolhidos através de castings. O professor e os alunos, bem como as suas famílias, são personagens reais. Temos crianças que aprendem, brincam, choram, discutem, se ajudam, têm pequenas alegrias ou angústias. Enfim… um pouco da criança que fomos um dia e que continua a existir dentro de nós.

domingo, 25 de dezembro de 2005

Sabedoria impopular


Tristezas não...
... apagam dúvidas.




sábado, 24 de dezembro de 2005

Desejos de um...




Feliz Natal!

Nuit de Noël, Henri Matisse

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Cais

Compro com alguma regularidade a revista Cais e foi com tristeza, mas apenas alguma surpresa, que li no Diário de Notícias que foram identificados pela polícia dez falsos vendedores desta revista. A Cais é uma revista de apoio aos sem-abrigo e os vendedores têm direito a 70 por cento do valor da revista, que custa dois euros. De acordo com o código de conduta, os vendedores da revista Cais estão expressamente proibidos de usar o nome da revista para mendigar ou pedir o que quer que seja do público, devem ter idade superior a 16 anos e estar identificados. Qualquer vendedor da Cais "deve também ser portador de bilhete de identidade, de um cartão com fotografia e nome próprio, deve vestir um impermeável da Cais, identificar-se sempre que necessário e cuidar da sua higiene pessoal e apresentação". Ou seja, para quem conhece este código de conduta parece-lhe (quase) seguro que quando está a comprar a revista está, de facto, a ajudar pessoas que tentam ultrapassar a situação em que se encontram de forma honesta. Pessoas que merecem que as ajudemos a ter uma vida melhor, a vida a que têm direito. Parece-me que, a partir deste momento, quando me cruzar com um vendedor da Cais serei uma observadora mais atenta e pensarei duas vezes antes de comprar… infelizmente.

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

E depois da homilia... a reflexão

Ontem fui à missa. Não é, nem de longe, um hábito meu. Aliás, se exceptuar as missas dos casamentos e funerais, não ia a uma missa há mais de dez anos. Ainda me lembro… foi um domingo de manhã, era época de exames e tinha passado as noite anteriores a estudar. Nessa manhã resolvemos, eu e alguns amigos da faculdade, ir à missa. Para ser franca, resolveram eles, jovens do norte e muito mais dados ao cumprimento de rituais religiosos. Eu, sulista dos pés à cabeça que nunca teve catequese nem fez a 1ª comunhão, não teria tido essa ideia. E dessa manhã de prática religiosa apenas me ficou esta recordação: a ideia de ir à igreja e assistir à missa, seguida de um almoço improvisado no jardim da cidade antes de voltar a um árduo e intenso estudo.
Voltando ao início: ontem fui à missa. Não era a minha intenção. Pretendia apenas entrar na igreja. Queria sentir durante alguns minutos a paz que me pareceu apenas conseguir encontrar naquele lugar. Quando cheguei e ouvi os cânticos senti-me muito bem e resolvi ficar. Sentei-me no último banco, como fazem nas escolas os alunos mal comportados.
Pouco depois, o pároco falou de mulheres estéreis e achei-o cruel. Falou das mães de Sansão e S. João Baptista (se não me está a falhar a memória) e da bênção que é poder gerar uma criança. Até aqui posso concordar. Mas a conversa que se seguiu pareceu-me brutalmente discriminatória. Enquanto ouvia as palavras que proferia pensava que alguma paroquiana presente que quisesse dar à luz um filho e não conseguisse deveria sentir-se muito diminuída, como se estivesse a pagar um qualquer pecado cometido, e inferior a todas as outras que conseguem ser mães. Em seguida, condenou (ainda que não abertamente) as mulheres que por razões profissionais, económicas ou outras adiam ou abdicam dessa bênção. Discordo duplamente. Deveria este padre saber que todas as mulheres, embora sem negarem que ter a capacidade de gerar uma vida é uma bênção, têm direito a decidir se querem ou não ser mães. Deveria, ainda, este padre saber que se todas as mulheres tomassem esta decisão de acordo com as suas condições económicas, sociais e principalmente psicológicas, haveria menos crianças abandonadas em lares de acolhimento, menos crianças que passam muito mais tempo na rua do que em casa, que são (des)educadadas em ambientes demasiado duros até para adultos, menos crianças violentadas e usadas como escudo dos pais.
Acabei por me distrair e não ouvi o resto da homília. Apenas despertei dos meus pensamentos quando voltei a ouvir os cânticos.
Quando a missa terminou e saí da igreja estava uma mulher com bastante idade, sentada nos degraus, a pedir esmola. É proibido mendigar naquele local, eu sei. Creio que toda a gente que saiu da igreja sabia. Quero acreditar, também, que apenas por essa razão ninguém lhe deu uma moeda ou, pelo menos, lhe dirigiu um olhar piedoso. Apenas por essa razão, saíram todos alegremente a ligar os telemóveis, a falar das prendas que ainda têm de comprar, a combinar o jantar do próximo fim-de-semana. Apenas por essa razão ninguém olhou para aquela mulher e pensou se seria aquela uma das infelizes estéreis e, por essa razão, abandonada ou apenas uma mãe talvez esquecida pelos filhos.

sábado, 17 de dezembro de 2005

Elogio das pequenas coisas


Não é por ser Inverno e estar muito frio… ou pelo menos não é só por isso. Acho que apesar do ar bonacheirão e por vezes desleixado, as pantufas são bonitas, aconchegantes, boas confidentes e 100% confiáveis.
Quando falamos delas vem-nos, imediatamente, à ideia a imagem de um marido barrigudo e monótono, sentado no
sofá, a assistir a um jogo de futebol e a beber cerveja, segurando com a outra mão o telecomando. Ou a senhora de idade avançada que faz croché enquanto assiste emocionada às dez telenovelas do dia. Sei que lhes falta glamour e sensualidade e que não fazem parte dos objectos modernos e com muito estilo que nos gabamos de ter e mostramos às amigas para ficarem verdes de inveja. Também não me consta que tenham um lugar de destaque nas revistas dedicadas à colecção Outono/Inverno ou nos grandes desfiles de moda. Mas quem mais nos atura de manhã, com os olhos semicerrados, despenteados e um terrível mau humor, a implicar com este mundo e até com o outro, se existir? Quem nos espera, pacientemente, ao lado da cama, e nos aconchega os pés e o ego fazendo-nos ver que o mundo não é assim tão cruel e ainda há algo em que podemos confiar? Não refilam quando as maltratamos ao calçar, quando as trocamos constantemente de pé ou quando as descalçamos como se estivéssemos a tentar não falhar um penalti. Fazem-nos companhia, ouvem as nossas queixas e dançam connosco quando estamos felizes ou nos esforçamos para ficar. Acredito que até nos limpariam as lágrimas, se pudessem.
Eu não sei se as minhas são mais obedientes do que as suas semelhantes mas nunca se afastam. Já consegui perder quase de tudo, ou pelo menos perder de vista por algum tempo, mas as minhas pantufas não, exceptuando uma meia dúzia de vezes em que quase desapareceram no sofá ou debaixo de algum móvel, o que é muito bom dentro da minha média.
Existem de vários modelos e cores, de acordo com os gostos, personalidades e resistência ao frio de cada um. Existem as que têm tons sóbrios ou suaves e as garridas, as leves e as extremamente aconchegantes.
As minhas são garridas e muito quentes e, numa altura em que tenho tão poucas certezas, gosto de saber que ao acordar estão lá, uma ao lado da outra, a uma distância de cerca de 15 cm entre elas e a outros tantos da cama ou do local onde eu estiver, a do pé esquerdo onde colocarei o pé direito e vice-versa. Sempre!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Quando nenhum título se adequa...

Desta vez foi um bebé a engrossar a lista das crianças vítimas de abusos e maus-tratos infligidos por familiares.
Escrevem-se agora muitas páginas nos jornais, dedicam-se muitos minutos nos blocos noticiosos da televisão e da rádio. Provavelmente, servirá como tema para um debate, um fórum ou uma reportagem.
Quando se ouvem estas notícias tudo deixa de me parecer importante. Nem o défice, o desemprego, as presidenciais ou o protocolo de quioto têm importância. Para que me serve um mundo onde temos monstros camuflados de pessoas que vivem lado a lado com as suas vítimas? Onde crianças ou outros inocentes sofrem às mãos e aos caprichos de seres desprezíveis que agem com uma maldade intrínseca e injustificável?
Como podemos viver tranquilos, ou apenas preocupados com as pequenas insignificâncias do dia-a-dia, se pensarmos que estes monstros se cruzam connosco na rua, estão no nosso local de trabalho, frequentam os mesmos cafés, utilizam as nossas estradas ou, por vezes, vivem na nossa casa? E em muitos casos não lhes denotamos o menor sinal que indicie capacidade para cometer uma barbaridade deste género. Chegamos até a mostrar-lhes a nossa revolta perante estes casos e dão-nos toda a razão, mostram-se solidários com a raiva e indignação que sentimos! E se algum dia são suspeitos de alguma atrocidade há sempre alguém que garante que é impossível, pois é muito boa pessoa. Boa pessoa ou bom fingidor? Mas mesmo em indivíduos que conhecemos e julgamos capazes de actos pouco recomendáveis ou maldosos julgamos que se dedicam a pequenas maldadezinhas e nunca nos ocorre tamanha monstruosidade! Não queremos acreditar que existem. Enquanto conseguimos, negamos e negaremos sempre a sua existência.
Tal como também se negam as responsabilidades e se empurram as culpas. Apuram-se agora pormenores a que nunca se deu importância, fala-se de falhas de informação… Virão depois as justificações que, a troco de dinheiro e da alma, os advogados alegarão para amenizar a culpa dos monstros: perturbações psicológicas, infância problemática, nascimento numa família desestruturada, problemas sociais, económicos e todos os outros que são utilizados em casos idênticos.

Daqui por uns dias deixará de ser tema de conversa e de abertura de jornal televisivo e será recordado apenas como mais um número quando outro caso semelhante for a notícia do dia.
E enquanto nós adormecemos vencidos pelo cansaço de mais um dia, esquecemos que no mesmo instante há muitas crianças a quem a inocência e alegria da infância estão a ser roubadas definitivamente.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

É inevitável...

Situação 1

Depois de fazer as compras dirijo-me à caixa para pagar. Há duas filas, uma com três pessoas e outra com cinco. Obviamente, dirijo-me à caixa que tem a fila menor e espero pacientemente. A pessoa que está a ser atendida usa um vale de desconto. A funcionária demora algum tempo a introduzir os dados. O cliente seguinte reclama porque o preço registado na máquina é superior ao indicado no expositor. A empregada chama o responsável pela secção. O tempo passa… Chega o responsável, pega na caixa e vai confirmar o preço no expositor.

As cinco pessoas que estavam na outra caixa já foram atendidas e algumas que chegaram posteriormente também.

Na minha caixa a fila aumenta. Abre uma terceira caixa e é dada a indicação de que os clientes deverão ser atendidos pela ordem em que se encontram. Um espertinho que estava atrás de mim não respeita esta indicação e acaba por ficar à minha frente, mas não reclamo, afinal só tenho de esperar que duas pessoas sejam atendidas. O papel da máquina registadora termina. A empregada tenta colocar o rolo novo mas não consegue e acaba por pedir ajuda a uma colega.

Na caixa ao lado o problema do preço errado já foi solucionado e não consigo deixar de olhar com raiva para a pessoa que está a ser atendida e está no local onde poderia estar eu… se não tivesse mudado de caixa.

A questão do papel já foi resolvida. A pessoa que está à minha frente - o espertinho - já está a ser atendida. Fez uma devolução e quer utilizar o respectivo vale para pagar a despesa desse dia. A empregada chama o responsável. Arrependo-me de não ter reclamado quando me passou à frente. Está no “meu” lugar com a agravante de mo ter roubado.

Na caixa onde eu estava inicialmente tudo parece correr às mil maravilhas: não há vales de descontos, não há devoluções, não há falta de papel, não há enganos nos preços, nem sequer há problemas nos pagamentos com Multibanco.
Todas as pessoas que estavam na primeira caixa, que eu preteri, foram atendidas há imenso tempo e nem se vislumbra delas o mais breve sinal. Penso que devem andar satisfeitas com as suas compras e com a rapidez do atendimento e este pensamento enfurece-me mais.

Passam alguns minutos que me parecem horas. A situação do espertinho é resolvida e sou finalmente atendida. Saio a pensar que não volto a deixar-me enganar.


Situação 2

Mais compras. Novos pagamentos. Duas caixas. Uma com cerca de quatro ou cinco pessoas. A outra com mais duas ou três. Desta vez não me vou deixar enganar! Vou para a fila que tem mais gente. Sinto os olhares espantados dos clientes que estão na fila menor. Uma senhora de idade que chega pouco depois pergunta-me se a outra caixa vai fechar. Eu digo-lhe que não mas não lhe revelo o que só eu sei: aquela caixa tem mais gente mas vai ter um atendimento muito mais rápido. A senhora ainda hesita mas vai para a fila menor. Na “minha” caixa há atrasos que não entendo bem. Creio que se trata de enganos nos códigos do Multibanco, pagamentos com cheque ou produtos que não foram pesados ou perderam o preço.

Na outra caixa tudo decorre com normalidade e maior rapidez.

Ainda penso em mudar mas tenho a certeza que não o devo fazer. Mantenho-me confiante, a fila que parece menor e mais rápida é sempre a mais demorada. Sempre. Não há excepções.

A senhora que me tinha questionado sobre o fechamento da caixa acabou de ser atendida. Enquanto coloca os últimos produtos no saco olha para mim e sorri. Acredito que seja um sorriso de simpatia mas, no momento, parece-me um insulto.

Tenho duas pessoas à minha frente. Ocupo o tempo a tentar adivinhar o que irá acontecer com os dois clientes que falta atender: será a máquina que encrava? A senhora loira ter-se-á esquecido de pesar os legumes? O senhor de barba terá reclamações a fazer? Não haverá trocos na registadora sendo necessário esperar pela reposição dos mesmos? Não. Nada disso. Aparece uma empregada nova, em idade e no posto de trabalho. A empregada que está de serviço explica à recém-chegada o funcionamento da caixa e coloca-a a praticar sob a sua supervisão. Lentamente, o atendimento decorre sem mais incidentes. Coloco os meus produtos sobre o balcão, está quase na minha vez. Pago e saio chateada a pensar qual será a estranha razão que justifica o facto de haver sempre atrasos na “minha” caixa.
Nesse momento, apercebo-me que me esqueci de comprar o que realmente necessitava e me tinha levado até ao supermercado. Ainda dou um passo atrás mas desisto. Não me sinto com coragem para passar pela mesma situação uma terceira vez.


sábado, 3 de dezembro de 2005

Acide sulfurique


Amélie Nothomb é uma jovem escritora belga.
Já escreveu vários romances e tem livros traduzidos em 23 línguas, inclusive em português. Tenho-a lido na língua original e não sei se nas traduções se perderá alguma da sua criatividade e capacidade de ironizar. Conheci-a com o romance Stupeur et tremblements que me divertiu bastante. Desde então li mais seis ou sete, todos os que tenho encontrado nas livrarias portuguesas.
No seguimento dos reality shows, Acide sulfurique, de Amélie Nothomb, leva-nos para “concentration”, um reality show em que as vítimas (aqui não lhes poderemos chamar concorrentes) são apanhadas na rua, tal como nos relata o primeiro capítulo em que nos parece estar a assistir à descrição de prisão de judeus na 2ª guerra mundial. São levadas para campos de concentração onde os carrascos, previamente seleccionados, as maltratam e humilhavam sistematicamente. São mal alimentadas, obrigadas a fazer trabalhos forçados e todos os dias algumas de entre elas são mortas. Tudo isto é filmado em directo e transmitido pela televisão para gáudio de um vasto número de telespectadores que se “horroriza” e “sofre” com as vítimas. É assustador. E o que mais assusta é pensar que poderemos chegar lá…

Das caixas e outras manias


Quase poderia dizer que colecciono caixas caixinhas e projectos de caixotes. Mas não gosto de colecções. Não sei qual é a razão mas fico nervosa só de pensar na palavra… Enerva-me pensar num acumular de objectos idênticos com pequenas diferenças entre si e que se acumulam, se sobrepõem, se comparam, se exibem, se guardam para quê? Para quem? Para quando? Mas se gostasse de colecções coleccionaria caixas. Tenho várias. Muito pequenas, apenas pequenas, médias e (quase) grandes. Em todas guardo qualquer coisa. Cada uma delas tem um significado especial. Vão desde as caixas compradas por mim numa qualquer feira de artesanato até à caixa feita manualmente por alguém especial, passando por algumas oferecidas por uma tia que descobriu que eu gostava de caixas e resolveu dessa forma uma das dúvidas que a atormentava todos os anos na época natalícia. Nelas guardo de tudo, hábito que me dá bastante jeito pois sempre que preciso de algo de que desconheço o paradeiro, e que tem dimensão para caber numa caixa, é por elas que começo a procurar. E nesse “tudo” incluo lápis e canetas, botões, postais, fotos, contas pagas ou para pagar, bijutaria, pilhas, chaves, pacotes de açúcar, disquetes e cds, rebuçados, bilhetes de transportes públicos usados ou não, e neste último caso acabo por encontrá-los quando terminam a validade, caixas de medicamentos, listas de compras, bilhetinhos com números de telefone ou moradas e várias outras coisas… Abro-as sempre à espera de um mundo que se me revela, despertam-me recordações. São muito mais do que um mero objecto decorativo com alguma beleza. Têm conteúdo. E, na maior parte das vezes, um conteúdo que me surpreende… Haverá algum outro objecto com uma característica tão humana?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

"Dessas coisas..."

Na pastelaria onde tomava café, um destes dias, ouvi duas senhoras com idades que rondariam os sessenta anos falarem sobre a Educação Sexual nas escolas. Diziam elas que - cito - “os miúdos não precisam nada dessas coisas porque sabem até demais… Dessas coisas sabem mais do que os professores”. Hoje recordei-as quando uma aluna de 12 anos entrou na aula muito excitada porque “há na turma um rapaz que é gay: tem duas namoradas!”

Estão os miúdos muito esclarecidos, não estão?


Querido Pai Natal

Não, não fiques nervoso. Não sou mais uma a escrever uma carta com uma interminável lista de prendas para me ofereceres. Sei que deves ter muitos pedidos e já faltam poucos dias para a distribuição dos presentes. Provavelmente a crise também te atingiu e talvez tenhas sido obrigado a despedir alguns dos teus duendes. Imagino-te muito atarefado com uma enorme lista na mão e a correr pelas várias lojinhas do comércio tradicional, querendo dar o bom exemplo ao cidadão comum e, finalmente, querendo poupar tempo e já menos preocupado com a qualidade dos produtos ou com a economia nacional, perdido num qualquer centro comercial.

Eu tratei de tudo sozinha. Não acho correcto sobrecarregar um senhor de idade avançada e tão simpático como tu. Já me comprei uma mala que estava a precisar, um colar que combina lindamente com a mala e dois livros que andava a cortejar há vários dias. Desta forma poupei-te imenso tempo e algumas correrias e agora só te peço que reponhas o dinheiro na minha conta.

Como vês, já fiz a minha parte, espero que agora faças a tua!

Boas compras e Feliz Natal!

quarta-feira, 30 de novembro de 2005

O som da solidão


Pode ser o som do silêncio… ou o burburinho de uma multidão…
É o ranger de uma porta que se abre numa casa quase desabitada. O som da chave que se pousa sobre um móvel, onde permanecerá até que a pessoa que aí a colocou - quem mais? - a volte a utilizar. O som dos próprios passos sobre o tapete. É o som de um aparelho de rádio que debita as mesmas notícias de meia em meia hora. Do virar das páginas dos livros que se lêem compulsivamente e nos quais se procura companhia. O som dos nossos pensamentos.
A solidão soa a conversas distantes na mesa do café ou no local de trabalho. Soa a diálogos de surdos numa conversa telefónica em que apenas o eco nos devolve as palavras. É o som da resposta desajustada à pergunta que fizemos. Ou a pergunta que se segue à resposta por nós dada fazendo-nos sentir que as palavras proferidas têm um significado completamente diferente para quem as ouve, como se se falasse uma qualquer língua estrangeira quase desconhecida neste nosso cantinho peninsular. É o som das conversas e gargalhadas que nos rodeiam, indiferentes ao que possamos sentir. Tem o som dos temas banais que se discutem. O som das generalidades que tocam superficialmente a todos mas que se furtam a revelar alguém. Soa ao momento de felicidade ou de aparente aborrecimento que se comentam sem se aprofundar. Soa ao cumprimento socialmente correcto e vazio e à palavra de conforto dita sem sentimento. Tem o som das conversas que não se têm. Das discussões de factos e ideias que terminam quase antes de começar. É o som da vida exterior indiferente a tudo o que de mais humano existe em nós.


terça-feira, 25 de outubro de 2005

Esquisso


A estrutura começa a estar delineada.
Falta definir os acabamentos,
escolher os móveis e tratar da decoração.
E, finalmente, o essencial:
habitar este espaço.
Preenchê-lo com ideias, sentimentos, emoções...