sábado, 29 de dezembro de 2007


Balanços e Balancetes


Diz o povo que “de médico e de louco todos temos um pouco”. Acrescento eu que de professor, juiz, primeiro-ministro, treinador de futebol e outras tantas profissões também. Basta ver a forma escorreita, e com autoridade, como opinamos sobre assuntos que pertencem a áreas específicas.
Quando se aproxima o fim do ano revela-se o competente contabilista que existe em cada um de nós. Não há jornal, revista ou canal televisivo que não apresente o seu balanço através de um “especial 2007”, “2007 em revisão” ou… confesso que não tenho estado muito atenta à nomenclatura.
Em conversas informais com familiares e amigos surge, também, o balanço de cada um. Além de não lhe encontrar qualquer utilidade, este hábito tem o condão de me irritar.
Também eu já tive a vocação de contabilista. Tinha 14 ou 15 anos quando conheci os balanços e balancetes e desenvolvi por eles uma paixão intempestiva. Dediquei-me ao seu estudo com extraordinário afinco e interesse, surpreendendo o professor de contabilidade que, sem dúvida, vivia da contabilidade mas não para ela.
Encontrava-me, ainda, em estado de fervorosa paixão quando fiz os testes de orientação profissional que me encaminharam para a área contabilística.
Desrespeitei as indicações. A contabilista que vivia em mim desvaneceu e não voltei a fazer um balanço de espécie alguma.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

[Texto de Ana Gomes - 23/Dez/2007 - revista Pública, pp. 70-71: Os "Mileuristas". O desencontro entre as elevadas qualificações e os salários.]

- Não têm poupanças, não têm casa, não têm carro, não têm filhos
- O fenómeno da geração dos mil euros foi pretexto para um livro da escritora espanhola de origem galega e nascida no País Basco, Espido Freire.
Editado pela tiispânica Ariel e sem tradução portuguesa no mercado nacional, na introdução do livro "Los mileuristas", a autora considera-se ela própria parte desta geração que classifica de encalhada. Espido Freire considera ainda que se trata de um grupo de pessoas que vive num permanente paradoxo.
Defende que se trata de uma geração:
• Conformista mas desesperada
• Qualificada mas sem expectativas
• Consumista mas pobre
• Desengajada mas com gestos de identidade comuns
Já lá vão os tempos do entusiasmo universitário quando as temporadas passadas a queimar as pestanas eram tidas como meio caminho andado para uma vida financeira estável. Hoje, já se passaram uns anos de contratos a termo, que se seguem teimosamente uns atrás dos outros, para não falar dos recibos verdes que, volta e meia, se transformam em simulacro de contrato ainda mais precário.
Passados dois ou dez anos de darem início à actividade laboral, estes ex-universitários guardam um canudo que lhes assegura o grau de licenciados, mestres ou mesmo doutores mas que não lhes garante um ordenado condizente.
São os "mileuristas", geração presa a um limbo de uma vida adolescente, que gozam como lhes permitem os cerca de mil euros de remuneração mensal.
Nem só o número escrito no cheque do salário define os "mileuristas".
São jovens com idades a rondar os trinta anos, nascidos na Europa entre meados da década de 1960 e inícios dos anos oitenta. Filhos da geração dos "babyboomers", cresceram sob a máxima que os estudos eram o mais eficaz meio para usufruir de uma vida adulta financeiramente desafogada.
Os progenitores, com mais ou menos dificuldades, lutaram para que os filhos desfrutassem das liberdades e escolhas que as jovens democracias permitiam. As mesmas que não tinham podido gozar na sua juventude.
E os filhos obedeceram. Lá completaram a formação superior, somando frequentemente à licenciatura mestrados, pós-graduações ou mesmo doutoramentos. Para engrossar ainda mais o currículo, fizeram cursos de línguas, de informática, formações especializadas nas áreas em que pretendiam trabalhar e ateliers diversos que reforçassem o seu "know how" e cultura geral. Hoje, não resistem a perguntar-se: "para quê?".

Apesar de não ter origem portuguesa, a expressão "mileurista" serve como uma luva a milhares de trintões nacionais.
Mas foi na vizinha Espanha que nasceu o termo com que se identifica toda uma geração residente nos países da Europa mais ocidental.
Tudo começou com uma carta que a jovem publicitária Carolina Algualcil, residente em Barcelona, dirigiu ao jornal espanhol "El Pais". O calendário marcava o ano de 2002 e o periódico não hesitou em publicar na íntegra a missiva que tinha por título "Sou mileurista". A carta foi o resultado da (in)digestão de uma passagem por Berlim, viagem onde Carolina Algualcil constatou as diferenças entre os estilos de vida e tabelas salariais que vigoravam entre companheiros de geração das duas cidades europeias.
Assim descrevia a jovem publicitária na sua carta as características dos "mileuristas" espanhóis. "Gastam mais de um terço do seu salário no arrendamento de casa. Não têm poupanças, não têm casa, não têm carro, não têm filhos, vivem o momento... Às vezes é divertido. Mas já cansa." É certo que este "modus vivendi" que parece permanecer eternamente em vésperas da idade adulta apesar do passar dos anos é determinado por um conjunto de factores para além da matemática financeira. Mas a magra conta bancária é uma forte ditadora nesta conjuntura. Os "mileuristas" estão longe do salário mínimo nacional mas também se posicionam muito aquém do conforto económico que as suas qualificações prometiam.
São uma nova classe social, ensinada a aproveitar o dia-a-dia e que não quer abdicar de uma certa qualidade de vida que aprendeu a usufruir em casa dos pais. Por isso, muitas vezes adiam a saída do lar paternal, desalentados pelo elevado valor de venda das casas e pelas exorbitantes quantias do arrendamento imobiliário. Adiam igualmente a chegada de filhos, meta considerada alcançável apenas depois de atingida alguma estabilidade económica que tarda em bater à porta. E de adiamento em adiamento, a juventude vai ficando para traz e o futuro dourado que as habilitações académicas prometiam nunca mais chega.
As características desta geração de infância afortunada e adolescência permanente explicam parte do fenómeno a que se somam factores como a precariedade laboral e o excesso de licenciados que o mercado de trabalho não consegue absorver.
E nem o mais longínquo futuro lhes sorri, numa altura em que se multiplicam as vozes que alertam sobre a falência do Estado Providência e a possibilidade da geração hoje pelos trinta anos poder vir a não usufruir das pensões de reforma a que teriam direito com base nos descontos que fazem mensalmente.
São os "mileuristas", geração encalhada na adolescência e com a idade madura comprometida.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Katie Melua - Have yourself a merry little Christmas

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007



Paris, je t'aime



Tristan Carné teve a ideia de usar Paris como pano de fundo para a rodagem de 20 breves curtas-metragens – uma por cada arrondissement. Cada curta-metragem foi rodada sob a direcção de um realizador diferente, entre eles: Gus Van Sant; Joel & Ethan Coen; Tom Tykwer; Frédéric Auburtin e Gérard Depardieu… As exigências feitas consistiam em utilizar apenas dois dias e duas noites para as filmagens, não ultrapassar cinco minutos de duração e dispor de um orçamento bastante reduzido. No final, duas das curtas-metragens não foram incluídas por dificuldades de integração na globalidade do filme.

O resultado é um conjunto de histórias sobre a alegria, a tristeza, os encontros inesperados, a separação, a vida e a morte e sobretudo sobre o amor… ou os amores.
Dificilmente se gostará de todas as curtas-metragens mas também me parece muito difícil que se passe por todas elas sem se ser tocado.

sábado, 22 de dezembro de 2007

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Dez 06 – 87 mortes nas estradas

Alerta-nos o ecrã luminoso na auto-estrada.
É assustador. Sei que quando o leio, quase inconscientemente, coloco o pé no travão.
Mas sei, também que eu e os outros condutores continuamos a pensar que não é nada connosco. Que não faremos parte dos números que serão apresentados no próximo ano. Não nos parece possível.
Todas as viagens têm um destino. Há alguém que nos espera… A reunião a que não podemos faltar… O nosso prato preferido confeccionado carinhosamente para nós… A ceia de Natal… As prendas que ainda não entregámos… O trabalho que tem de ser concluído dentro do prazo estabelecido… Aquele espectáculo para o qual já comprámos o bilhete… O telefonema que prometemos fazer… Projectos para o novo ano…

O facto de termos planos dá-nos uma falsa segurança. Julgamo-nos indispensáveis e insubstituíveis e achamos que o nosso telefone nunca vai deixar de nos ter do lado de cá prontos a responder.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007



cartas

Hoje recebi duas cartas. Cartas mesmo. Daquelas de papel, em que para abrir e ver o seu conteúdo temos de descolar o envelope, com muito cuidado, ou rasgá-lo deixando nele as marcas da nossa impaciência. Daquelas cartas em que não é preciso clicar numa tecla para abrir e que podemos guardar numa caixa de recordações ou amachucar, rasgar e deitar fora em vez de fazer “delete”.

Uma delas era, esteticamente, muito bonita. Tinha um envelope azul, de um bom material, e, dentro do mesmo, um cartão impresso de muito bom gosto. Tratava-me por “Estimada Sra. Dra.”; utilizava vocabulário muito cuidado e requintado; desejava-me as boas festas em várias línguas e despedia-se simulando uma sinceridade que me incomodou. Nada foi descurado e, por isso, para dar um ar mais pessoal, o último cumprimento e a assinatura estavam manuscritos a tinta azul.

A outra carta era um envelope feito pelo remetente, de papel pautado. Tinha fita-cola à vista e era ligeiramente assimétrico. No interior, tinha uma folha de caderno diário dobrada em quatro; estava manuscrita numa caligrafia arredondada e sem erros ortográficos; tratava-me por “Querida Professora”; não me desejava boas festas noutra língua que não fosse a portuguesa; usava vocabulário pobre e repetitivo. Mas foram palavras escritas, da melhor forma possível, para mim.

A carta azul de boa qualidade e palavras caras já foi colocada no papelão. O envelope de papel pautado com a folha de caderno e as suas palavras, simples mas doces, ficaram numa caixa para quando precisar de me recordar que ainda há crianças que fazem todos os quilómetros percorridos valer a pena.




terça-feira, 11 de dezembro de 2007

ele há pais natais e pais natais...
Comecei por vê-la sentada, numa cadeira, ao sol.
O local – um troço que segue a partir da estrada principal – não me pareceu estranho. Deduzi que viveria em alguma casa situada atrás do arvoredo. Já me habituei a ver, por estes lados, casas nos locais mais estranhos e improváveis, aos meus olhos.
Nas minhas passagens regulares, acontece encontrar a cadeira vazia e abandonada. Sempre julguei que estaria a arrumar a casa ou a preparar o almoço familiar. Geralmente, está a fazer chochet ou tricot, noutros dias parece estar a ler revistas. Imaginei que faria botinhas para os netos ou naperons para oferecer às filhas e noras, no Natal.
Quando os dias deixaram de ser quentes e solarengos continuou sentada no mesmo lugar e só então reparei na escassez de vestuário, nada usual numa avó comum.
Apercebi-me da minha ingenuidade que pensava já perdida, mas que teima em não me abandonar, e entendi que aquela “avozinha” apenas está ali a matar o tédio entre “prestação de serviços” aos viajantes.
Esta semana, impulsionada por um qualquer espírito natalício, estava (semi)vestida de pai natal. Um pai natal sem barba e sem calças.
Preocupei-me. Depois de uma invasão de quadrilhas de pais natais que escalam prédios e entram pelas janelas, aparecerá agora uma nova vaga de pais natais que se prostituem? Desta forma, não há imaginário natalício que permaneça incólume.

sábado, 8 de dezembro de 2007

eu e os meus botões



...deve ser uma grande responsabilidade chamar-se Felicidade...



quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Quando se tenta, por todos os meios, convocar um Encarregado de Educação e, finalmente, se consegue marcar uma reunião espera-se encontrar de tudo: pais que desconfiam dos professores, da escola, do sistema de ensino, do governo e do mundo em geral sempre que não lhes elogiem os seus rebentos e os não vejam com o mesmo olhar embevecido com que eles os vêem; ouvir a história pormenorizada de todos os elementos da família, até o tio-avô que esteve emigrado em França muitos anos; ver as receitas médicas ou as caixas de antidepressivos e ansiolíticos que a mãe toma diariamente; assistir à comparação que é feita do aluno em relação aos irmãos, primos e vizinhos; a responsabilização do pai, da sogra, da “professora primária” por tudo o que de negativo tenha ocorrido ou possa ocorrer no próximo século; a confissão da incapacidade de os auxiliar nos estudos ou de os educar; ouvir a frase recorrente “eu não sei o que lhe hei-de fazer!”.
Há, também, os pais que julgam terem sido convocados porque o filho cometeu algum delito muito grave ou, numa versão mais popular “fez m****”, como me foi dito com todas as letras e sem asteriscos.
Até ontem, nenhuma mãe me tinha dito que dava o filho se alguém o quisesse e muito menos me tinha sido sugerido que ficasse com ele por achar que eu seria a mãe que ele precisava. Nunca me ocorrera que poderia entrar na escola sem filhos e sair de lá com um filho adolescente nos braços.
Por vezes, julgo que me arrependi de ter conhecido esta mãe. Sentia-me mais feliz e mais leve enquanto ignorava o ambiente familiar desta criança. Sentia-me mais segura quanto à minha imparcialidade e quanto ao que lhe exigia em termos de empenho e postura presente e participativa. Não entendia, como entendo agora, que aquela criança evite falar com os pais nem que seja para lhes pedir que assinem um documento, muito menos para lhes pedir uma opinião ou ajuda; não entendia como entendo agora, que tantas vezes esteja ausente porque precise refugiar-se num mundo imaginário que criou para si, fugindo à realidade em que vive.
Mais uma vez, terá de ser a escola a cumprir o seu papel e também aquele que a família não consegue assumir. Mais uma vez, os impedimentos burocráticos farão com que o acompanhamento seja feito apenas com a boa-vontade e disponibilidade pessoal dos professores que, na sua maioria e por enquanto, não vivem apenas a pensar em níveis de sucesso e itens de avaliação e conseguem ver cada aluno como uma pessoa com características próprias e que pretendem ajudar a melhorar enquanto tal.