sábado, 29 de dezembro de 2007


Balanços e Balancetes


Diz o povo que “de médico e de louco todos temos um pouco”. Acrescento eu que de professor, juiz, primeiro-ministro, treinador de futebol e outras tantas profissões também. Basta ver a forma escorreita, e com autoridade, como opinamos sobre assuntos que pertencem a áreas específicas.
Quando se aproxima o fim do ano revela-se o competente contabilista que existe em cada um de nós. Não há jornal, revista ou canal televisivo que não apresente o seu balanço através de um “especial 2007”, “2007 em revisão” ou… confesso que não tenho estado muito atenta à nomenclatura.
Em conversas informais com familiares e amigos surge, também, o balanço de cada um. Além de não lhe encontrar qualquer utilidade, este hábito tem o condão de me irritar.
Também eu já tive a vocação de contabilista. Tinha 14 ou 15 anos quando conheci os balanços e balancetes e desenvolvi por eles uma paixão intempestiva. Dediquei-me ao seu estudo com extraordinário afinco e interesse, surpreendendo o professor de contabilidade que, sem dúvida, vivia da contabilidade mas não para ela.
Encontrava-me, ainda, em estado de fervorosa paixão quando fiz os testes de orientação profissional que me encaminharam para a área contabilística.
Desrespeitei as indicações. A contabilista que vivia em mim desvaneceu e não voltei a fazer um balanço de espécie alguma.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

[Texto de Ana Gomes - 23/Dez/2007 - revista Pública, pp. 70-71: Os "Mileuristas". O desencontro entre as elevadas qualificações e os salários.]

- Não têm poupanças, não têm casa, não têm carro, não têm filhos
- O fenómeno da geração dos mil euros foi pretexto para um livro da escritora espanhola de origem galega e nascida no País Basco, Espido Freire.
Editado pela tiispânica Ariel e sem tradução portuguesa no mercado nacional, na introdução do livro "Los mileuristas", a autora considera-se ela própria parte desta geração que classifica de encalhada. Espido Freire considera ainda que se trata de um grupo de pessoas que vive num permanente paradoxo.
Defende que se trata de uma geração:
• Conformista mas desesperada
• Qualificada mas sem expectativas
• Consumista mas pobre
• Desengajada mas com gestos de identidade comuns
Já lá vão os tempos do entusiasmo universitário quando as temporadas passadas a queimar as pestanas eram tidas como meio caminho andado para uma vida financeira estável. Hoje, já se passaram uns anos de contratos a termo, que se seguem teimosamente uns atrás dos outros, para não falar dos recibos verdes que, volta e meia, se transformam em simulacro de contrato ainda mais precário.
Passados dois ou dez anos de darem início à actividade laboral, estes ex-universitários guardam um canudo que lhes assegura o grau de licenciados, mestres ou mesmo doutores mas que não lhes garante um ordenado condizente.
São os "mileuristas", geração presa a um limbo de uma vida adolescente, que gozam como lhes permitem os cerca de mil euros de remuneração mensal.
Nem só o número escrito no cheque do salário define os "mileuristas".
São jovens com idades a rondar os trinta anos, nascidos na Europa entre meados da década de 1960 e inícios dos anos oitenta. Filhos da geração dos "babyboomers", cresceram sob a máxima que os estudos eram o mais eficaz meio para usufruir de uma vida adulta financeiramente desafogada.
Os progenitores, com mais ou menos dificuldades, lutaram para que os filhos desfrutassem das liberdades e escolhas que as jovens democracias permitiam. As mesmas que não tinham podido gozar na sua juventude.
E os filhos obedeceram. Lá completaram a formação superior, somando frequentemente à licenciatura mestrados, pós-graduações ou mesmo doutoramentos. Para engrossar ainda mais o currículo, fizeram cursos de línguas, de informática, formações especializadas nas áreas em que pretendiam trabalhar e ateliers diversos que reforçassem o seu "know how" e cultura geral. Hoje, não resistem a perguntar-se: "para quê?".

Apesar de não ter origem portuguesa, a expressão "mileurista" serve como uma luva a milhares de trintões nacionais.
Mas foi na vizinha Espanha que nasceu o termo com que se identifica toda uma geração residente nos países da Europa mais ocidental.
Tudo começou com uma carta que a jovem publicitária Carolina Algualcil, residente em Barcelona, dirigiu ao jornal espanhol "El Pais". O calendário marcava o ano de 2002 e o periódico não hesitou em publicar na íntegra a missiva que tinha por título "Sou mileurista". A carta foi o resultado da (in)digestão de uma passagem por Berlim, viagem onde Carolina Algualcil constatou as diferenças entre os estilos de vida e tabelas salariais que vigoravam entre companheiros de geração das duas cidades europeias.
Assim descrevia a jovem publicitária na sua carta as características dos "mileuristas" espanhóis. "Gastam mais de um terço do seu salário no arrendamento de casa. Não têm poupanças, não têm casa, não têm carro, não têm filhos, vivem o momento... Às vezes é divertido. Mas já cansa." É certo que este "modus vivendi" que parece permanecer eternamente em vésperas da idade adulta apesar do passar dos anos é determinado por um conjunto de factores para além da matemática financeira. Mas a magra conta bancária é uma forte ditadora nesta conjuntura. Os "mileuristas" estão longe do salário mínimo nacional mas também se posicionam muito aquém do conforto económico que as suas qualificações prometiam.
São uma nova classe social, ensinada a aproveitar o dia-a-dia e que não quer abdicar de uma certa qualidade de vida que aprendeu a usufruir em casa dos pais. Por isso, muitas vezes adiam a saída do lar paternal, desalentados pelo elevado valor de venda das casas e pelas exorbitantes quantias do arrendamento imobiliário. Adiam igualmente a chegada de filhos, meta considerada alcançável apenas depois de atingida alguma estabilidade económica que tarda em bater à porta. E de adiamento em adiamento, a juventude vai ficando para traz e o futuro dourado que as habilitações académicas prometiam nunca mais chega.
As características desta geração de infância afortunada e adolescência permanente explicam parte do fenómeno a que se somam factores como a precariedade laboral e o excesso de licenciados que o mercado de trabalho não consegue absorver.
E nem o mais longínquo futuro lhes sorri, numa altura em que se multiplicam as vozes que alertam sobre a falência do Estado Providência e a possibilidade da geração hoje pelos trinta anos poder vir a não usufruir das pensões de reforma a que teriam direito com base nos descontos que fazem mensalmente.
São os "mileuristas", geração encalhada na adolescência e com a idade madura comprometida.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Katie Melua - Have yourself a merry little Christmas

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007



Paris, je t'aime



Tristan Carné teve a ideia de usar Paris como pano de fundo para a rodagem de 20 breves curtas-metragens – uma por cada arrondissement. Cada curta-metragem foi rodada sob a direcção de um realizador diferente, entre eles: Gus Van Sant; Joel & Ethan Coen; Tom Tykwer; Frédéric Auburtin e Gérard Depardieu… As exigências feitas consistiam em utilizar apenas dois dias e duas noites para as filmagens, não ultrapassar cinco minutos de duração e dispor de um orçamento bastante reduzido. No final, duas das curtas-metragens não foram incluídas por dificuldades de integração na globalidade do filme.

O resultado é um conjunto de histórias sobre a alegria, a tristeza, os encontros inesperados, a separação, a vida e a morte e sobretudo sobre o amor… ou os amores.
Dificilmente se gostará de todas as curtas-metragens mas também me parece muito difícil que se passe por todas elas sem se ser tocado.

sábado, 22 de dezembro de 2007

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Dez 06 – 87 mortes nas estradas

Alerta-nos o ecrã luminoso na auto-estrada.
É assustador. Sei que quando o leio, quase inconscientemente, coloco o pé no travão.
Mas sei, também que eu e os outros condutores continuamos a pensar que não é nada connosco. Que não faremos parte dos números que serão apresentados no próximo ano. Não nos parece possível.
Todas as viagens têm um destino. Há alguém que nos espera… A reunião a que não podemos faltar… O nosso prato preferido confeccionado carinhosamente para nós… A ceia de Natal… As prendas que ainda não entregámos… O trabalho que tem de ser concluído dentro do prazo estabelecido… Aquele espectáculo para o qual já comprámos o bilhete… O telefonema que prometemos fazer… Projectos para o novo ano…

O facto de termos planos dá-nos uma falsa segurança. Julgamo-nos indispensáveis e insubstituíveis e achamos que o nosso telefone nunca vai deixar de nos ter do lado de cá prontos a responder.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007



cartas

Hoje recebi duas cartas. Cartas mesmo. Daquelas de papel, em que para abrir e ver o seu conteúdo temos de descolar o envelope, com muito cuidado, ou rasgá-lo deixando nele as marcas da nossa impaciência. Daquelas cartas em que não é preciso clicar numa tecla para abrir e que podemos guardar numa caixa de recordações ou amachucar, rasgar e deitar fora em vez de fazer “delete”.

Uma delas era, esteticamente, muito bonita. Tinha um envelope azul, de um bom material, e, dentro do mesmo, um cartão impresso de muito bom gosto. Tratava-me por “Estimada Sra. Dra.”; utilizava vocabulário muito cuidado e requintado; desejava-me as boas festas em várias línguas e despedia-se simulando uma sinceridade que me incomodou. Nada foi descurado e, por isso, para dar um ar mais pessoal, o último cumprimento e a assinatura estavam manuscritos a tinta azul.

A outra carta era um envelope feito pelo remetente, de papel pautado. Tinha fita-cola à vista e era ligeiramente assimétrico. No interior, tinha uma folha de caderno diário dobrada em quatro; estava manuscrita numa caligrafia arredondada e sem erros ortográficos; tratava-me por “Querida Professora”; não me desejava boas festas noutra língua que não fosse a portuguesa; usava vocabulário pobre e repetitivo. Mas foram palavras escritas, da melhor forma possível, para mim.

A carta azul de boa qualidade e palavras caras já foi colocada no papelão. O envelope de papel pautado com a folha de caderno e as suas palavras, simples mas doces, ficaram numa caixa para quando precisar de me recordar que ainda há crianças que fazem todos os quilómetros percorridos valer a pena.




terça-feira, 11 de dezembro de 2007

ele há pais natais e pais natais...
Comecei por vê-la sentada, numa cadeira, ao sol.
O local – um troço que segue a partir da estrada principal – não me pareceu estranho. Deduzi que viveria em alguma casa situada atrás do arvoredo. Já me habituei a ver, por estes lados, casas nos locais mais estranhos e improváveis, aos meus olhos.
Nas minhas passagens regulares, acontece encontrar a cadeira vazia e abandonada. Sempre julguei que estaria a arrumar a casa ou a preparar o almoço familiar. Geralmente, está a fazer chochet ou tricot, noutros dias parece estar a ler revistas. Imaginei que faria botinhas para os netos ou naperons para oferecer às filhas e noras, no Natal.
Quando os dias deixaram de ser quentes e solarengos continuou sentada no mesmo lugar e só então reparei na escassez de vestuário, nada usual numa avó comum.
Apercebi-me da minha ingenuidade que pensava já perdida, mas que teima em não me abandonar, e entendi que aquela “avozinha” apenas está ali a matar o tédio entre “prestação de serviços” aos viajantes.
Esta semana, impulsionada por um qualquer espírito natalício, estava (semi)vestida de pai natal. Um pai natal sem barba e sem calças.
Preocupei-me. Depois de uma invasão de quadrilhas de pais natais que escalam prédios e entram pelas janelas, aparecerá agora uma nova vaga de pais natais que se prostituem? Desta forma, não há imaginário natalício que permaneça incólume.

sábado, 8 de dezembro de 2007

eu e os meus botões



...deve ser uma grande responsabilidade chamar-se Felicidade...



quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Quando se tenta, por todos os meios, convocar um Encarregado de Educação e, finalmente, se consegue marcar uma reunião espera-se encontrar de tudo: pais que desconfiam dos professores, da escola, do sistema de ensino, do governo e do mundo em geral sempre que não lhes elogiem os seus rebentos e os não vejam com o mesmo olhar embevecido com que eles os vêem; ouvir a história pormenorizada de todos os elementos da família, até o tio-avô que esteve emigrado em França muitos anos; ver as receitas médicas ou as caixas de antidepressivos e ansiolíticos que a mãe toma diariamente; assistir à comparação que é feita do aluno em relação aos irmãos, primos e vizinhos; a responsabilização do pai, da sogra, da “professora primária” por tudo o que de negativo tenha ocorrido ou possa ocorrer no próximo século; a confissão da incapacidade de os auxiliar nos estudos ou de os educar; ouvir a frase recorrente “eu não sei o que lhe hei-de fazer!”.
Há, também, os pais que julgam terem sido convocados porque o filho cometeu algum delito muito grave ou, numa versão mais popular “fez m****”, como me foi dito com todas as letras e sem asteriscos.
Até ontem, nenhuma mãe me tinha dito que dava o filho se alguém o quisesse e muito menos me tinha sido sugerido que ficasse com ele por achar que eu seria a mãe que ele precisava. Nunca me ocorrera que poderia entrar na escola sem filhos e sair de lá com um filho adolescente nos braços.
Por vezes, julgo que me arrependi de ter conhecido esta mãe. Sentia-me mais feliz e mais leve enquanto ignorava o ambiente familiar desta criança. Sentia-me mais segura quanto à minha imparcialidade e quanto ao que lhe exigia em termos de empenho e postura presente e participativa. Não entendia, como entendo agora, que aquela criança evite falar com os pais nem que seja para lhes pedir que assinem um documento, muito menos para lhes pedir uma opinião ou ajuda; não entendia como entendo agora, que tantas vezes esteja ausente porque precise refugiar-se num mundo imaginário que criou para si, fugindo à realidade em que vive.
Mais uma vez, terá de ser a escola a cumprir o seu papel e também aquele que a família não consegue assumir. Mais uma vez, os impedimentos burocráticos farão com que o acompanhamento seja feito apenas com a boa-vontade e disponibilidade pessoal dos professores que, na sua maioria e por enquanto, não vivem apenas a pensar em níveis de sucesso e itens de avaliação e conseguem ver cada aluno como uma pessoa com características próprias e que pretendem ajudar a melhorar enquanto tal.

terça-feira, 27 de novembro de 2007


A propósito dos presentes de Natal ...


Não há dúvidas de que a relação que temos com os objectos é pessoal, distinta e bastante variável. Por vezes, pergunto-me se, nas novas gerações, os jogos de PlayStation, os telemóveis e os leitores de mp3 terão para os seus possuidores uma história como tem para mim cada uma das minhas bonecas, das minhas caixas e dos meus livros. No conjunto, perfazem um número bastante razoável mas são raros aqueles de que não me recordo como me vieram parar às mãos. São para mim muito mais do que simples objectos. Reportam-me para épocas, momentos, locais, pessoas, histórias. São pedaços de mim.
Em relação aos jogos de PlayStation tenho pouco a dizer, pois nas pouquíssimas tentativas (e pouco esforçadas, devo confessá-lo) que fiz fui vergonhosamente derrotada por uma criança.
(Silêncio para recuperar da frustração…)
Já no que se refere ao telemóvel não nego que me vale por uma vida e que poder fazer podcast dos meus programas de rádio preferidos para ouvir no iPod, quando tenho oportunidade, me dá imenso prazer. No entanto, não consigo estabelecer com estes objectos a mesma relação de afecto (unilateral, ok! Reconheço…) que tenho com “os outros”, “os meus”.
Estranhamente, esta relação de desapego acontece-me, também, relativamente aos CDs e DVDs, salvo algumas honrosas excepções, apesar de atribuir muita importância à música e ao cinema por conterem em si histórias e emoções capazes de me (sur)pre(e)nder.
Ao pensar nesta questão, apercebo-me de que muitas vezes nos esquecemos (ou não compreendemos) que aquilo que para uma pessoa é apenas um objecto, com maior ou menor utilidade e facilmente substituível por outro semelhante, mais moderno ou mais funcional, é para outra uma parte do seu mundo e, por vezes, indispensável à sua estabilidade, parte integrante do seu crescimento e da sua história de vida.
Nestes tempos de consumismo desmesurado e de prazeres imediatos, receio que se perca esta afectividade em relação ao que, embora podendo ser material, faz e é parte de nós.

sábado, 24 de novembro de 2007

Rui Veloso & Mariza

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Ministério da Justiça adquire viaturas de luxo

“Em época de contenção orçamental, e com a administração pública sujeita a restrições na aquisição de viaturas novas, por indicação do Decreto de Execução Orçamental para 2007, o ministro da Justiça (?!?) acaba de comprar cinco automóveis topo de gama.” aqui
(negritos meus)


Há muita gente indignada com esta notícia. Eu não.
É óbvio que não se trata de uma notícia séria. É um daqueles exercícios que costumam aparecer nas páginas dos jornais dedicadas a passatempos e concursos, do género:

Descubra a incongruência no texto que se segue.


Já descobri. Onde posso levantar o prémio?




domingo, 11 de novembro de 2007



Para mim, castanhas assadas não são sabor, são cheiro.
São cheiro, imagem, som e tacto. E ambiente.
São tardes frias de Inverno, casacos quentes, camisolas de gola alta e cachecóis de lã.
São ruas de cidades cheias de gente, passeios ao anoitecer, mãos e narizes gelados.
São o crepitar característico do assador de castanhas.
São as vozes que me rodeiam ou as músicas de Natal.
São sorrisos e gargalhadas. São surpresas.
São embrulhos feitos de páginas de listas telefónicas ou de notícias passadas que me aquecem as mãos e a alma.



Fotografia de Pedro Vasconcelos

sábado, 10 de novembro de 2007

Fátima Felgueiras defende-se com dinheiro da autarquia

"A Câmara Municipal de Felgueiras é que está a pagar a defesa de Fátima Felgueira. Até ao momento, os advogados já receberam 200 mil euros por serviços prestados."
aqui

Tenho a certeza de que haverá, ainda, muitas velhinhas felgueirenses a comer pão duro e mães de família que deixam de comprar iogurtes aos seus rebentos para poder contribuir com parte da miserável reforma ou do baixo salário para a defesa da Sô Dôtora Fátima, que é muito amiguinha do povo.



quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Aquarela - Toquinho

sábado, 3 de novembro de 2007

som para hoje (6)







É bem verdadeiro...


“Se queres que determinada coisa seja feita, pede a uma pessoa atarefada que o faça.
Quanto mais coisas fazes, mais coisas consegues fazer”

Lucille Ball, actriz e comediante norte-americana (1886-1915) – lido no Público de 02/11/2007



sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Notei uma lacuna no projecto que se encontra neste momento a ser estudado pelo Ministério da Administração Interna para sinalizar a perigosidade dos condutores e decidi colaborar.
Deixo aqui uma proposta para o dístico a atribuir aos condutores que provocam acidentes e fogem (e que se este projecto avançar, provavelmente, aumentarão de número - quem quereria, por exemplo, apanhar um táxi com dístico vermelho?).















“Ir ou não às aulas não deve ser relevante para a avaliação dos alunos. Maria de Lurdes Rodrigues foi ontem à RTP esclarecer que deve progredir na escola quem tiver notas positivas, independentemente da assiduidade. "A avaliação tem que incidir sobre o conhecimento: sabe, passa; não sabe, não passa", disse a ministra da Educação” in http://www.publico.pt/

Esta é a mesma ministra que inventou as aulas de substituição porque a falta de assiduidade dos professores prejudicava gravemente os alunos e o sucesso educativo?
A partir de que momento é que a assiduidade se torna relevante? Depois de assinar um contrato de trabalho?
Estarão já previstos cursos de formação intensivos entre o término da vida escolar e o início da vida profissional para incutir na cabeça dos futuros trabalhadores a necessidade de comparecer ao trabalho e de picar o ponto?
Poderá (porque não?) ser um curso inserido no programa Novas Oportunidades: conte-me a sua vida, diga-me como lhe é difícil entender a importância da pontualidade e assiduidade, elabore um portefólio onde reflicta sobre os seus progressos neste domínio e obtenha a validação e certificação de competências que lhe permitirão entrar no mercado laboral.
Podem começar já a redigir a Portaria 84776655386402375996/2007 que o regulamente… ainda consigo arranjar espaço na pasta de arquivo e consigo roubar mais uns minutos ao sono para ler e tentar digerir mais uns quantos decretos-lei, despachos normativos e declarações de rectificação.


* A ministra esqueceu-se de um pormenor: sabe passa, não sabe… arranja-se maneira de passar. Mas isso são outros quinhentos… e as portarias esperam-me.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007




Os meus meninos, por vezes, são um espanto...

- Setôra, o meu porta-lápis diz "Made in Japan". Como é que se diz "made in Japan" em francês?
- "Fabriqué au Japon". Mas, já agora, diz-me tu, como é que se diz em português?
- Isso é fácil: Made in China!!!




quarta-feira, 10 de outubro de 2007

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

L.

Parecia-me feliz. Não é. A ausência de mau humor deve-se à boa educação ou ao, ainda, pouco à-vontade.
Parecia-me integrado. Não está. Os colegas limitam-se a empurrar a cadeira, abandonando-o, em seguida, para ir fazer uma qualquer outra actividade que lhe está vedada.
Questiono-me sobre o papel que a escola deve ocupar na vida de um jovem com graves limitações de mobilidade e que sofre de uma doença degenerativa. Será pertinente gastar a mobilidade que ainda resta em aulas de recuperação para entender o que são articuladores/conectores completivos, palavras derivadas por parassintetismo ou um sujeito nulo expletivo? O tempo que se despende a compreender os heterónimos de Fernando Pessoa ou caracterizar a Blimunda de Saramago será mais importante do que aprender ou desenvolver uma actividade que vá de encontro aos próprios interesses e que possa proporcionar algum prazer?
Cada vez que exijo a realização de uma tarefa, sinto-me um carrasco e acho que o tempo seria mais útil e bem aproveitado se passado a conversar, a rir, a apanhar sol, sentir o vento no rosto ou construir histórias imaginárias a partir dos desenhos das nuvens.
Esforço-me para esconder o constrangimento que me provoca assistir à dificuldade em conseguir encontrar um local onde se possa trabalhar numa escola que se diz inclusiva mas que é construída a pensar, apenas, em alunos “normais” ou a impossibilidade de fazer uma pesquisa na biblioteca escolar ou municipal por ambas se encontrarem no 1ºandar.
Deixei-me apanhar na teia da pena e sei que, agora, o trabalho que devo desenvolver poderá ser prejudicado. Mas aos dezoito anos corremos atrás dos sonhos e empurramos o mundo. Não é justo que se fique sentado à espera do que lhe está reservado, sendo empurrado por quem resolve fazer a boa acção do dia.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007



Ter o hábito de guardar jornais e revistas, artigos roubados de jornais alheios ou papéis rabiscados, por vezes, torna-se útil ou faz-me, simplesmente, (re)encontrar pequenos tesouros escritos…

“Em princípio, é no modo como um código é apropriado por um corpo que reside um estilo. O estilo passa pelos movimentos do rosto, pelo hábito do sorriso, pelo conjunto dos gestos, pelo tempo em que cada um se faz existir perante o tempo dos outros – por tudo isso que sentimos numa inflexão de voz, que observamos num olhar. Quando alguém desaparece, o que mais nos impressiona é que vemos um rosto inerte e falta-nos o que foi o seu estilo, algo de quase indefinível e sobretudo algo de irrepetível. O agudíssimo sentimento de perda vem daí.” Eduardo Prado Coelho, Público, 3 de Maio de 2005

quinta-feira, 27 de setembro de 2007



Goste-se ou não de Santana Lopes, concorde-se ou não com ele ... mas desta vez teve toda a razão!

Santana vs Mourinho _

domingo, 23 de setembro de 2007

som para hoje (4)







Da memória...

A memória fascina-me. Ou para ser mais precisa, sinto um fascínio pela forma como usamos a memória… ou ela nos usa.
Intriga-me a forma como, inconscientemente, seleccionamos o que recordamos e a forma como o mesmo acontecimento ou momento é armazenado de forma diferente por cada um de nós; as memórias que construímos e assumimos como nossas e que se baseiam no que nos relatam, que chegam até nós ou que imaginamos.
É comum duas ou mais pessoas conversarem sobre a mesma situação recordando aspectos diferentes que se nuns casos se completam noutros colidem parecendo situações distintas.
Ainda não consegui decidir como classificar a minha memória.
Sou tantas vezes incapaz de recordar com clareza o enredo de um filme ou um livro, uma anedota, adivinha ou lengalenga, um nome ou um rosto, um local que visitei ou onde guardei um documento importante. Por outro lado, recordo datas, detalhes, expressões, cheiros, palavras ou diálogos completos com extrema precisão e nitidez.
Julgo que este “fenómeno” não será um exclusivo meu e exactamente por isso olho para a Memória como algo com personalidade própria e que me merece todo o respeito e admiração.
Sei que me seria mais proveitosa uma memória inteligente que guardasse as recordações/informações que me podem ser úteis e deitasse fora as que apenas ocupam lugar sem me trazer benefícios. Mas também sei que a maior parte de mim assenta sobretudo sobre estas segundas.


“A nossa memória alimenta-se, em larga medida, daquilo que os outros recordam de nós. Tendemos a recordar como sendo nossas as recordações alheias – inclusive as fictícias.” in O Vendedor de Passados, José Eduardo Agualusa


terça-feira, 18 de setembro de 2007





O passado costuma ser estável, está sempre lá, belo ou terrível, e lá ficará para sempre.” in O Vendedor de Passados, José Eduardo Agualusa





domingo, 16 de setembro de 2007

quinta-feira, 13 de setembro de 2007


dúvida lexical

"...Scolari voltou a desvalorizar o incidente, reconheceu que «tentou tapear» Dragutinovic mas insistiu que se tratou de uma «situação normal em futebol, num momento de confusão." in TSF


Normal - adj. 2 gén. conforme à norma ou regra; exemplar; regular; ordinário.
s.m. aquilo que é habitual
in Dicionáriode Língua Portuguesa, Porto Editora


Hmmmm... vou ter de adquirir um Dicionário de Gíria Futebolística para perceber os comentários dos homens da bola...

terça-feira, 11 de setembro de 2007

segunda-feira, 10 de setembro de 2007


Momento revelador

Há momentos assim… De repente, vemos que andámos enganados durante anos e num segundo de conhecimento a percepção que temos dos outros e do mundo transforma-se.
Passei por esse fenómeno ao ler a Pública desta semana, há poucas horas.
E que descobri eu de tão importante?
Existe uma fobia que se designa por sofofobia e que consiste no medo de aprender… Isso explica tanta coisa!
Por essa razão, semipublicamente, peço desculpa a todos aqueles que, injustamente, denominei de preguiçosos, apáticos, desinteressados e desprovidos de curiosidade. (mesmo aqueles que não podem ser medidos por esta nova bitola)
Cada vez que o Primeiro-Ministro ou a Ministra da Educação têm a ousadia de perorar sobre o ensino, tenho a certeza de que há um elevado número de professores que começa a desenvolver esta síndrome:


imagem/

domingo, 9 de setembro de 2007

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Sabedoria (im)popular



A noite...



...é uma péssima conselheira.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007



futuro próximo


Se as webcam e o skype não nos salvarem, receio que num futuro próximo sejamos incapazes de verbalizar, o que quer que seja, para comunicarmos entre nós.
Conhecemos os amigos nos chats e é também aí e no Messenger que convivemos com eles, flirtamos e namoramos. Sabemos os hábitos, preferências, opiniões e últimas notícias sobre os nossos familiares e amigos consultando o hi5, os blogues ou os espaços pessoais no myspace.
Os telefonemas são muitas vezes substituídos por sms, havendo kits que permitem um envio monstruoso de mensagens diárias.
Informações mais detalhadas, notícias ou curiosidades são enviadas por email e deixámos de ter um ouvido com quem partilhar a primeira gargalhada espontânea ao aprender uma nova anedota.
Quando nos deslocamos em viatura própria, abastecemos num posto self-service, havendo a possibilidade de fazer o pagamento com cartão, ainda na bomba. Levamos o GPS que numa voz autoritária nos ordena, com rispidez militar, o caminho a seguir e deixa de ser necessário encontrar um autóctone com sentido de orientação e disponível para dar a informação pretendida.
No local de trabalho não vamos ao bar e optamos pelo café, a água, as sandes e os chocolates da máquina colocada junto à escadaria.
Podemos almoçar sem ter de abrir a boca, excepto para degustar a iguaria escolhida, num restaurante (também ele) self-service em que, à entrada, nos apontam o cartão como se de uma arma se tratasse. Quando nos dirigimos à caixa, olhamos para o valor indicado na máquina registadora e colocamo-lo na mão estendida do empregado que, muitas vezes, nem profere um qualquer som gutural que simule ser um cumprimento.
Comportamento semelhante temos, e têm para connosco, quando vamos ao supermercado ou a uma grande superfície, compramos roupas ou livros. Podemos, ainda, optar por fazer todas as compras online e, nesse caso, não só poupamos a voz como também, evitamos cruzar-nos in loco com qualquer espécime humano.
Para nos mantermos informados, retiramos o jornal de distribuição gratuita, depositado numa caixa à entrada do metro, ou recebemo-lo num semáforo, entregue por uma mão sem rosto e sem voz. Para os mais sedentos de informação, existe a possibilidade de consultar as edições online ou ainda proceder à assinatura mediante um pagamento.
Tratamos da nossa situação económica e fiscal ou do pagamento de contas através de um Multibanco ou da Internet.
É, também, a partir de casa que navegamos nos sites que nos permitem comprar bilhetes para assistir ao mais variado tipo de espectáculo ou ir ao cinema. Com o código atribuído basta dirigirmo-nos a uma máquina ou à bilheteira onde o trocamos pelo bilhete de ingresso no espectáculo desejado.

Passamos, desta forma, um dia “normal”, com uma vida “normal” de convívio, trabalho e entretenimento, sem necessitar proferir mais do que dois ou três monossílabos ou, em situações mais graves, nem isso.
Se o corpo do Homem tem a capacidade de se adaptar ao meio e circunstâncias envolventes, seremos em breve “humanos” com dedos quadrados e achatados que apenas serão capazes de, com um certo esforço e desagrado, emitir alguns grunhidos.







domingo, 26 de agosto de 2007


sobre.... a insignificância


Regressar a um local que outrora conheci, e abandonei durante anos, tem o condão de me dar a saber a medida exacta da minha insignificância.
Quando, à chegada, avisto a degradação dos prédios que já então ameaçavam ruir, a cal branca quase ausente das paredes ou a calçada gasta pelos transeuntes penso que nada mudou (Claro que não! Quem se atreveria a fazer alterações na minha ausência?!).
Decido, então, visitar os espaços que era “os meus” e, por momentos, inverter o sentido dos ponteiros do relógio.
Na cafetaria que servia uma bica deliciosa, em vez de expositores com inúmeras variedades de chás e cafés, existem agora folhetos com imagens de praias, monumentos e camelos a caminhar, resignadamente, no deserto. O sorriso da nova empregada já não vende bons momentos com sabor a café mas promessas de férias inesquecíveis.
A pequena tasca, muito modesta mas com comida caseira deliciosa e em conta, onde o sorriso da proprietária e cozinheira era o acompanhamento perfeito, deu lugar a mais uma casa de pizas, hambúrgueres, sandes e afins, servidos a velocidade de cruzeiro por empregados–robô que atendem sem olhar para o cliente.
Na livraria, caríssima mas com uma oferta fabulosa, já não podemos encontrar o conforto que só o papel e uma belíssima história oferecem e encontramos, agora, sonhos de betão a preços exorbitantes.
Os rostos que se cruzam comigo na rua são outros… Quando revejo algum que reconheço, apesar das incontornáveis marcas do tempo, apetece-me agradecer-lhe por se manter no mesmo lugar e perguntar-lhe o que aconteceu, quem permitiu que o tempo passasse por ali sem me consultar…






Excerto de uma deliciosa crónica de Carlos Drummond de Andrade






Calça literária



“É assíduo leitor de blusas, camisas, saias, calças estampadas. Não lhe escapa um exemplar novo. Parece desligado, e observa tudo. Segundo ele, as peças de indumentária, masculina e feminina, ostentando símbolos e nomes de universidades americanas, manchetes, páginas de jornal, retratos de Pelé e Jimi Endrix, apelos ao amor que não à guerra, etc…, há muito deixaram de ser originais. Constituem invólucros rotineiros de pessoas de qualquer idade. A gente estranha é uma camisa inteiramente nua de dizeres ou figuras, a roupa que não diz nada, só roupa. Hoje, lê-se mais nos tecidos do que nos livros, e não é ler apenas, é ver cinema e televisão, pois os corpos ao se moverem, dinamizam as figuras estampadas, o que, de um modo ou de outro, contribui para a cultura de massas. Informa:
- Estou pensando em aproveitar esse material para fins especificamente didácticos. Através dele ensinar Geografia, História, Matemática, Medicina de Urgência, Imposto de Renda, Ortografia Desmistificada, essas coisas. O indivíduo cobre-se e vai distribuindo ciência. Ou aprendendo. Vinte minutos no ónibus – que aula! Classes ao ar livre, na feira, na fila. Escola dinâmica. (…)” Carlos Drummond de Andrade, in Para Gostar de Ler







imagem daqui

segunda-feira, 23 de julho de 2007



Plano Tecnológico da Educação

“O Plano Tecnológico da Educação, que vai ser apresentado hoje, prevê que cada sala de aula tenha um computador, uma impressora e um projector, num investimento que ultrapassa os 400 milhões de euros. (…)A partir do próximo ano lectivo, começará também a ser instalado um quadro interactivo por cada três salas de aula e generalizados o cartão electrónico do aluno e os sistemas de alarme e videovigilância (…)Outro dos objectivos, mas para 2010, é ter dois alunos por cada computador com ligação à Internet de banda larga.” Público, 23/07/2007 continuação

Estas brilhantes decisões recordam-me as soluções para todos os problemas encontradas pelos pais muito ocupados e ausentes: não se escuta, não se tentam resolver os problemas de base e tudo se resolve com o recurso a prendinhas, utilizando o dinheiro para comprar aquilo que se vê e pode promover a admiração de terceiros pelo investimento feito.
Para quem não conheça as escolas portuguesas, é preciso recordar que nas salas de aula falta espaço para instalar os 28 ou 30 alunos que constituem uma turma. Recordo, também, que nessas condições falta aos professores tempo para dar oportunidade a todos os alunos de intervir, questionar, praticar o que se aprendeu e recolher o feedback do trabalho realizado.
Sra. Ministra, recorda-se da dificuldade que teve em fazer-se ouvir no Parlamento, em Julho do ano passado, perante um grupo de adultos que, supostamente, quereriam ouvir o que tinha para dizer? (Foi vergonhoso, entendo que tenha apagado esse momento da sua memória) Imagine-se, pois, a transmitir um conteúdo programático (nem sempre interessante, há que admitir) perante 28 ou 30 crianças ou adolescentes que prefeririam estar a jogar à bola ou playstation…
Bem sei que se deve evitar a mera transmissão de conhecimentos mas nem sempre é possível fazer mil e um malabarismos que permitam aos 28 ou 30 alunos a fantástica descoberta do conhecimento.
Desnecessário será dizer que com esse elevado número de alunos é impossível apoiar os que têm mais dificuldades de aprendizagem. Mas “apoiar os alunos com dificuldades de aprendizagem” deve ser uma expressão que deixou de fazer sentido pois, além das alterações e cortes que houve ao nível do ensino especial, as aulas de apoio educativo e de recuperação deixaram de pertencer à componente lectiva dos docentes, fazendo, assim, supor que “aquilo” é só para encher horário e não carece de preparação prévia.
Mas já sabemos que no seu ministério e no seu governo, em geral, as pessoas não interessam, o que interessa mesmo é a tecnologia! Vamos a isso, então!
Sra. Ministra, em muitas escolas (inclusive em algumas referidas por si como exemplares) as impressoras existentes passam grande parte do ano sem tinteiro e as folhas utilizadas na impressão são compradas pelos docentes que também pagam muitas (ou a totalidade) das fotocópias que distribuem aos seus alunos. Há leitores de CDs que só funcionam com uma pedra sobre a tampa (!) e leitores de DVDs que estão eternamente avariados. Faltam cabos, fichas e tomadas para ligar os computadores, que permanecem mortos em cima das secretárias, e quando há uma pequena avaria não há dinheiro para mandar arranjar, ficando dependente da boa vontade dos amantes do bricolage e dos arranjinhos temporários que se conseguem. Os quadros interactivos não passam, muitas vezes, de elementos decorativos nas salas de aula porque para aprender a utilizá-los e fazer os respectivos flipcharts com os conteúdos a leccionar é preciso tempo, muito tempo. Tempo esse que o seu ministério entendeu que devia ser utilizado de forma mais nobre do que na actualização de conhecimentos e na preparação de aulas (pelos vistos uma actividade menor) e resolveu, por isso, presentear os professores com a sublime tarefa de “olhar pelos meninos”. Assim, o professor de História “toma conta dos meninos” em caso de ausência do colega de Ed. Física e o de Língua Portuguesa faz o mesmo com os do colega de Matemática, dizendo-lhes apenas “resolvam as actividades propostas pelo vosso professor e se tiverem dúvidas apresentem-nas quando ele voltar”.
Sou a favor da utilização de novas metodologias no ensino, inclusivamente das novas tecnologias, e penso que a Internet e o quadro interactivo podem ser utilizados com óptimos resultados. Mas o excesso assusta-me.
A escola tem de continuar a ser a escola e não deve querer assemelhar-se a uma nave espacial onde tudo é feito e controlado através de câmaras, botões, máquinas, cartões, códigos e chips. Uma sala de aula é, e deve continuar a ser, diferente de um cibercafé. As aulas tradicionais com papel, giz e quadro preto também fazem falta ao sistema de ensino e devem ser valorizadas na medida em que nos recordam que, mais do que a forma, o conteúdo é o fundamental. É, também, muito importante que se continuem a usar dicionários, enciclopédias, livros e revistas para a realização de trabalhos em vez de se promover a realização de trabalhos instantâneos: google – search – done!

sábado, 21 de julho de 2007

Neste romance são-nos apresentados pedaços da vida do protagonista (sem nome) cujo funeral inicia a narrativa.
Uma reflexão sobre a vida e a morte, a doença, a velhice, as relações familiares, a solidão, as escolhas que se fazem e as suas consequências.
Um livro perturbador que irei reler, certamente, com menor distanciamento daqui por vinte ou trinta anos
.


“Já quando tinha vinte anos, quando se achava uma pessoa normal, e por aí fora até entrar na casa dos cinquenta, sempre tinha tido das mulheres toda a atenção que quisesse; desde que entrou na escola de arte, nunca mais parou. Até parecia que não estava fadado para mais nada. Mas depois aconteceu uma coisa imprevista e imprevisível: tinha vivido perto de três quartos de século, e o estilo de vida activo e produtivo tinha desaparecido. Já não tinha a postura viril do homem produtivo nem era capaz de germinar os prazeres masculinos, e tentava não sentir demasiado a falta deles.(…) Mas agora parecia que, tal como qualquer outro velho, estava num processo de redução crescente e ia ter de se arrastar até ao fim dos seus dias vãos exactamente como era e nada mais – os dias vãos e as noites incertas e a aceitação impotente da deterioração física e a tristeza terminal e a espera interminável por coisa nenhuma. É assim que são as coisas, pensou, é isto que tu não tinhas maneira de saber.” (pp. 159-160)

Philip Roth, Todo-o-Mundo


quinta-feira, 19 de julho de 2007


Em defesa dos adolescentes dos nossos dias

Dou a mão à palmatória: os adolescentes dos tempos modernos têm uma vida, de facto, muito complicada…
Sms, mms, msn, mp3, mp4, hi5, usb, wii, ps1, ps2, ps3, psp… a quantidade de siglas que é necessário dominar para se manter um diálogo actualizado é brutal!
A esta lista (muito incompleta, certamente) acresce a quantidade de pins para o(s) telemóvel(veis), o PDA, os cartões multibanco; passwords para os emails, contas de telemóvel na net, msn, hi5, blogues; nicks para os chats, blogues, jogos virtuais e para as restantes vidas que se vivem net fora. Nem falo do Second Life, que ainda não tive curiosidade em conhecer pois acho que gerir a minha “First Life” já me dá trabalho suficiente.
Também não se deve menosprezar o esforço necessário para a substituição temporária (ou definitiva, em muitos casos) do alfabeto e vocabulário ensinados na escola e pela família por outro código ortográfico, fonético e semântico bastante mais complicado.
Mais complicado, sim! Pois há que admitir que saber que “xkulpa” e "jahtah" significam respectivamente “desculpa” e “já está” não é para todos. E o esforço e concentração necessários para fazer a associação som/grafia são notáveis.
Saindo da área da comunicação e passando aos artefactos do dia-a-dia é, ainda, necessário fixar a nomenclatura correcta de variadíssimos objectos, pois o que antes era apenas um boné, uns ténis ou uma simples caneta abandonou essa designação generalista e passou a denominar-se um boné adidas, uns ténis nike total 90 ou uma caneta de gel uni-ball.
Posto isto, pergunto-me: com tanta informação imprescindível para a vida social dos nossos miúdos ainda esperamos que haja nos seus cérebros espaço para memorizar uma fórmula matemática ou um verbo em língua francesa? Ora… francamente!!!





segunda-feira, 16 de julho de 2007

Os profissionais do ombro amigo

Há um determinado tipo de seres acerca dos quais é muitas vezes dito serem generosos e disponíveis, pois estão sempre dispostos a ceder o seu ombro para aparar a lágrima alheia. Mas não o fazem desinteressadamente para ajudar os amigos, as pessoas por quem sentem algum afecto ou simplesmente por generosidade para com os (des)conhecidos. Não. Fazem-no por orgulho, para preencherem as suas vidas com as vidas dos outros, para se sentirem necessários, por quererem que os outros lhes reconheçam essa bondade que afinal não existe.
Dedicam-se a esta tarefa de forma quase profissional e, muitas vezes, descuram aqueles que lhes estão próximos porque não estão dispostos a perder o seu tempo com acções que não lhes dêem a visibilidade que anseiam. Eu designo-os por profissionais do ombro amigo.
Oferecem sempre os seus préstimos aos deprimidos crónicos, aos inseguros patológicos, aos infelizes com mania de perseguição, aos coleccionadores de infortúnios. E é com o mesmo afinco e algum desprezo e rancor que se afastam dos felizes, seguros e lutadores.
Indignam-se com os optimistas mas, sobretudo, com os que na sua perspectiva reúnem as condições para adoptar uma postura do “coitadinho” e alugar o seu ombro por tempo indefinido e não o fazem.
Parecem-me abutres sempre à procura de presa e quando estão entre familiares e amigos, ou no almoço com os colegas, contam as suas glórias que mais não são do que o reconto dos problemas dos outros, a enumeração dos conselhos que deram, das lágrimas que secaram, das palavras caridosas que proferiram, as horas dispensadas com o “coitado, se não fosse eu…”
Fujo deles como o diabo da cruz e quando, inadvertidamente, deixo transparecer alguma tristeza ou preocupação e me aparece um destes profissionais disposto a oferecer os seus serviços gratuitos, procuro uma réstia de energia que me permita esboçar um sorriso e dizer “está tudo bem, é apenas cansaço”. E o abutre sem presa, após insistir um pouco para obter a confirmação, afasta-se amaldiçoando-me por não lhe ter permitido entrar em acção e aumentar o seu currículo quase-profissional.






A expressão “à Lagardère” é utilizada quando alguém faz algo com atrevimento, ousadia ou coragem, mas sem medir bem as consequências para si próprio.
Esta expressão refere-se a Lagardère, herói da obra de Paul Féval intitulada Le Bossu (O Corcunda) e publicada em França em 1858.
in ciberdúvidas

sábado, 7 de julho de 2007

La part de l'autre



Uma (in)decisão, um (des)encontro, uma (des)ilusão. É o suficiente para mudar o rumo de uma vida. Ou do mundo.

Foi nesta constatação que Eric-Emmanuel Schimtt pegou para escrever La part de l'autre.

Nesta obra, o escritor narra duas histórias de vida: a de A. Hitler e a de Adolf H.. O primeiro é o ditador Hitler, e o seu papel na história do séc. XX; o segundo é o hipotético pintor Adolf H., se o primeiro não tivesse sido rejeitado pela Escola de Belas Artes de Viena.

As duas histórias são narradas intercaladamente e, a pouco e pouco, as diferenças entre um e outro vão-se acentuando.

De certa forma, este livro parte do pressuposto, muito defendido por alguns, de que não se nasce definitivamente bom ou mau carácter. Todos temos um lado sombrio que pode manter-se inactivo ou, pelo contrário, impor-se. As frustações da vida, e a forma como se lida com elas, podem levar à definição de objectivos pouco éticos e à necessidade de obter prazer e a admiração dos outros através do espezinhamento de terceiros.

"- Qu’est-ce qu’un homme ? reprit le père. Un homme est fait de choix et de circonstances. Personne n’a de pouvoir sur les circonstances, mais chacun en a sur ses choix.
Il veut comprendre, comprendre que le monstre n'est pas un être différent de lui, hors de l'humanité, mais un être comme lui qui prend des décisions différentes. Depuis ce jour, l'enfant a peur de lui-même, il sait qu'il cohabite avec une bête violente et sanguinaire, il souhaite la tenir toute sa vie dans sa cage", p. 473
Eric-Emmanuel Schmitt - La part de l'autre



quarta-feira, 4 de julho de 2007


Pensamento da tarde (fora do horário e local de trabalho e sem o conhecimento da minha "chefe")

Visto que a identificação dos manifestantes via foto está muito em voga e que trabalhar para o Estado se tornou uma profissão de alto risco, ando a pensar seriamente em investir numa loja de perucas e disfarces, para colaborar com os resistentes.




a planície e as serras


Quando faltam dez p’rás sete na planície, nas serras são sete menos dez.
Na planície o sol acorda e revela-se por inteiro. Nas serras espreita lá no cume e começa a descer lentamente pela encosta, criando uma paleta de cores variadas.
Enquanto sigo pela estrada em linha recta, o pensamento liberta-se e usufruo da paisagem que se perde de vista na planície dourada. Já nas serras, o percurso ondulante e o verde imponente têm um efeito inebriante.
As manhãs de Domingo, na planície, são calmas e quase desertas enquanto que, nas serras, o silêncio dominical é quebrado pelo burburinho das famílias que se dirigem para a igreja, onde cumprem o dever de ouvir as sábias palavras do pároco da aldeia.
Fiquei a saber que existem dois fins de mundo, pois em ambos os locais me falam do outro: aquele de onde vim ou para onde vou.
Distraidamente, apaixonei-me pelas palavras e expressões regionais e uso-as com a mesma naturalidade com que calço as sapatilhas para ir comprar padas ou uma nata na padaria que fica mesmo à beira da minha casa. Na planície vou à da minha irmã e juntas tomamos uma bica enquanto confesso que na hora de abalar acho sempre que o tempo não foi avondo para matar as saudades.







Sabedoria (im)popular



Diz-me com quem andas...




... e saberei quem finges ser.



segunda-feira, 2 de julho de 2007

É notícia, não é? Bora lá, Maria!

Ao que parece, a primeira semana de existência do Museu Berardo tem sido um êxito ao nível do número de visitantes. Em Janeiro, quando a Gulbenkian expôs obras de Amadeo de Souza-Cardoso, obteve, também, um elevadíssimo número de visitas, principalmente nas últimas quarenta e oito horas.
Se os Portugueses acorrem em massa às exposições é porque são amantes da arte, certo? Errado!
Acorrem em massa às exposições tal como se esfalfam para estarem presentes na abertura do túnel do Marquês, na primeira viagem do comboio da Fertagus ou na inauguração da Ponte Vasco da Gama. Em menor número mas, ainda assim, em números bastantes significativos, também comparecem à entrada dos tribunais em dias de julgamento dos homens da bola, serial killers ou qualquer anónimo que cometa um crime digno de destaque. Marcaram presença em Penafiel para ver (…com todo o direito e indignação…) a criança entregue aos pais após um ano e, mais recentemente, deslocam-se em romaria à praia da Luz para ver os locais de que se fala a respeito do desaparecimento da menina britânica.
Os Portugueses são amantes do mediatismo. É notícia? Abre blocos informativos? É comentado pelos amigos do café ou pelos clientes do talho? Então estão lá!
Alguns fazem-no para poderem ser olhados com inveja pelos amigos que (… coitados…) apenas tiveram oportunidade de ver umas imagens na tv ou uma foto no jornal. Outros porque querem juntar mais uma inauguração ou mais um acontecimento importante à sua extensa colecção e dedicam-se a essa árdua tarefa com todo o empenho e sacrifício que actividade tão nobre exige. Em determinado tipo de evento há, ainda, os que vão porque fica béim, tá a ver???
Parece-me claro que um amante de pintura não deixaria para visitar uma exposição de dois meses no último dia (sim, mesmo sendo português…), tal como não quererá partilhar a experiência e o prazer de apreciar a colecção Berardo com milhares barulhentos… a menos que, contrariamente ao que teorizava Baudelaire, não sejam assim tão poucos os que têm a capacidade de “jouir de la foule”

PS - Senhores Coleccionadores: no próximo dia 8 tem lugar a festa de inauguração da Ponte da Lezíria. Obrigatória para profissionais!



domingo, 1 de julho de 2007

DREN extingue escola premiada com mérito

“A Escola EB2,3 de Pias, em Monção (…) acabou de receber um prémio internacional de “Excelência Educativa” que lhe será entregue em Setembro. Nessa altura, porém, a escola já estará extinta por decisão da DREN.
(…) A entrega do prémio atribuído pelo Conselho Iberoamericano em Honra da Qualidade Educativa será no Panamá, em Setembro.
(…)O prémio não tem valor monetário. Inclui um troféu, uma condecoração e a atribuição de um título «honoris causa» e um «master» em Gestão Educativa. Esta é a quarta edição da iniciativa – patrocinada por organizações não governamentais dos países da América Latina – e já premiou escolas superiores de enfermagem de Portugal, assim como o Colégio Luso Francês do Porto. Pela primeira vez uma escola pública nacional é distinguida.” In Expresso (30 de Junho de 2007)

Por cá, também, muito se tem falado em premiar as boas práticas. Mas... esqueceram-se de avisar que o prémio era a extinção.



encosta-te a mim


Esta música é, simplesmente, linda! Para ouvir, ouvir, ouvir....


sábado, 30 de junho de 2007

7h52 – 8h04


Entre as 7h52 e as 8h04, de Segunda a Sexta-feira. Sempre. O livro pousado sobre as pernas, o olhar perdido pela carruagem, o cabelo a roçar ligeiramente os ombros e vestindo, invariavelmente, tons claros.
Limita-se a contemplá-la, a fixar-lhe os traços e a expressão doce e misteriosa. Adivinha-lhe a respiração que a distância de dois metros o impede de sentir. Calcula pelo marcador a quantidade de páginas lidas.
Apenas à noite preenche o serão solitário construindo-lhe uma história pessoal. Recorda a pouca distância percorrida pelo marcador e adivinha-lhe uma vida muito ocupada. Chegará tarde a casa? Quem terá à sua espera? Filhos ou pais que precisem de cuidados? Um marido que a beija e abraça? Tenta adivinhar-lhe a localização. Sabe, apenas, que está no comboio quando ele entra, com o livro abandonado sobre os joelhos… Estará já cansada?
Sozinho, imagina hipotéticas abordagens e constrói diálogos casuais. Parecem-lhe todos forçados e vulgares. Teme a reacção ao ser abordada. Talvez se sinta invadida no seu espaço. Talvez aceite o diálogo para atenuar o silêncio pesado da viagem.
Decorrem dias, semanas, meses. Sabe que não pode continuar com aquela mulher a povoar-lhe os sonhos, a quebrar-lhe a rotina das noites vazias.
Véspera de mais um fim-de-semana. Sente que não pode continuar a imaginar-lhe vidas. Tem de agir e vai fazê-lo. No último segundo antes de alcançar a paragem onde se despede, tenta captar-lhe o olhar e sorri. Ela corresponde.
Passa a manhã agitado e ansioso. Tem dificuldade em trabalhar. O primeiro passo foi dado, e agora? O desenvolvimento normal seria a passagem ao diálogo. E se o conhecimento dela o desiludir? E se nenhuma das vidas que lhe imaginou for a sua? Se não possuir nenhuma das qualidades que lhe atribuiu? Toma uma decisão.
Segunda-feira, 7h52: dorme tranquilo. O chefe acedeu a trocar-lhe o horário e passará a fazer o turno da tarde. Enterrou definitivamente a desconhecida do comboio e recuperou o equilíbrio da sua existência vazia.








terça-feira, 26 de junho de 2007

Incompatibilidades


Fui sempre uma criança obediente e ainda hoje sou, geralmente, uma adulta bem mandada. Mas devo confessar que tenho uma total incompatibilidade com agentes da autoridade.
Quando um agente da autoridade me interpela e me diz com um misto de mal disfarçada felicidade e de informação paternalista “A senhora condutora tem aqui um problemazito…” eu devia procurar a minha voz mais doce e perguntar inocentemente “A sério, senhor guarda? Eu peço imensa desculpa, mas é que … (espaço para uma qualquer patranha adequada à situação)” mas em vez disso, respondo insolentemente “Já vi que está com vontade de me multar. Vá, diga lá o que é que conseguiu encontrar…” E, obviamente, em poucos segundos, sou informada da quantia a desembolsar.
Sofro, também, de uma incompatibilidade profunda com os imbecis que, sem qualquer necessidade, estacionam nos lugares reservados a deficientes apenas porque, por razões óbvias, se localizam mais próximo da entrada. Apetece-me insultá-los e fazer-lhes notar a sua falta de: civismo, educação, respeito, sensibilidade e o excesso de: estupidez, egoísmo, arrogância, desrespeito. Consigo controlar-me e não fazer mais do que olhar fixamente para a viatura estacionada e para a sinalização numa tentativa (frustrada) de lhes dar a entender o disparate que fizeram. Mas este tipo de condutor não costuma ter inteligência que lhe permita entender estas subtilezas. A vantagem desta minha segunda incompatibilidade é que me é menos dispendiosa do que a primeira, pois, caso contrário, ver-me-ia com sérias dificuldades financeiras devido à excessiva frequência com que me ocorre.
Mas grave mesmo é quando me deparo com uma situação de 2 em 1. Ou seja: o veículo que está estacionado no lugar reservado a deficientes pertence à GNR ou à PSP e, como se não bastasse ocupar um lugar, está estacionado de forma a ocupar dois. Nestes casos tenho de fazer um esforço enorme para raciocinar e manter-me calada pois apetece-me dizer aos senhores agentes que têm de fazer uma revisão do código da estrada, que para ficar de porta aberta a relaxar antes de partir à caça de mais umas multas podiam fazê-lo num outro lugar e deixar aqueles para quem, de facto, possa precisar, que um pouco de civismo é fundamental e que deveriam ter um comportamento que pudesse servir de exemplo, pois só assim poderão, realmente, merecer o respeito e a designação de agentes da autoridade.
Mas tenho de me manter calada, sob pena de ser acusada de desacato à autoridade, e a sensação de injustiça e impotência que essa imposição me provoca tem a capacidade de me estragar o dia.




Tertúlia

"Tertuliano é um doutor da Igreja muito importante dos séculos II e III (150-220) que vem assim definido no Lello Prático Ilustrado: “doutor da Igreja, n. em Cartago, génio poderoso, absoluto e sombrio, apologista de grande valor, mas adepto da heresia de Montano.” O seu prestígio foi tão brilhante, sobretudo no campo da apologética que, por muito tempo, o modo dos debates públicos em que ele participava foram seguidos e imitados de tal maneira que ainda hoje se chama tertúlia a um grupo de pessoas que têm o costume de se reunirem para debater, discutir, conversar sobre temas filosóficos, literários, políticos, etc. "
Tento na língua!, António Marques

segunda-feira, 25 de junho de 2007


David Kepesh, professor e crítico de arte, de mais de sessenta anos, tem um comportamento bastante libertino no que se refere às mulheres. Habituado a envolver-se, sem compromisso, com as suas (ex-) alunas apaixona-se, inesperadamente, de forma obsessiva por Consuela, de apenas 24 anos.
Este breve romance vai desde a descrição quase pornográfica da relação entre ambos até ao levantamento de questões sobre a paixão, o amor, o ciúme, o envelhecimento e a sua (não) aceitação, a doença e a morte, as convenções sociais, em suma: a fragilidade do ser humano.


“Há que fazer uma distinção entre morrer e a morte. Nem tudo é morrer ininterruptamente. Se somos saudáveis e nos sentimos bem, vamos morrendo invisivelmente. O fim, que é uma certeza, não tem de ser arrojadamente anunciado. Não, não podemos compreender. A única coisa que compreendemos acerca dos velhos é que foram marcados pelo seu tempo. Mas compreender apenas isso imobiliza-os no seu tempo, o que equivale a não compreender nada.” p. 38

“O ciúme: esse veneno. E sem motivo. Ciumento mesmo quando ela me diz que vai patinar no gelo com o seu irmão de dezoito anos. Será ele que a leva, que ma rouba? Com estes obsessivos casos amorosos deixamos de ser a pessoa confiante que éramos, não o somos quando estamos no seu vórtice e também quando a rapariga tem quase um terço da nossa idade. Sinto-me ansioso se não falo com ela ao telefone, todos os dias, e volto a sentir-me ansioso depois de falarmos. (…) Mas quando, raramente, há um dia em que consigo disciplinar-me o suficiente para não falar com ela, não lhe telefonar, não a lisonjear, não soar a falso, não ficar ressentido com o que, inconscientemente, ela me faz, é ainda pior. Não consigo parar de fazer seja o que for que esteja a fazer, e tudo quanto faço me deixa transtornado. Não sinto, com ela, a autoridade necessária à minha estabilidade, e no entanto ela procura-me por causa dessa autoridade.
Nas noites em que não está comigo transtorna-me pensar onde poderá estar e o que estará a fazer. No entanto, até mesmo depois de ela ter passado o serão comigo e ido para casa, não consigo dormir. A vivência dela é demasiado forte. Sento-me na cama e, no meio da noite, grito: “Consuela Castillo, deixa-me em paz!” Basta, digo a mim mesmo. Levanta-te, muda os lençóis, toma outro duche, livra-te do cheiro dela e depois livra-te dela. Tem de ser. A relação com ela tornou-se numa campanha infindável." (pp 40-41)

O Animal Moribundo, Philip Roth

sábado, 23 de junho de 2007


reinventando os dias e a vida


Escrevia os dias a lápis. Um lápis cinza e baço que desenhava sempre as mesmas letras e palavras tristes sobre um caderno pálido e inerte.Os seus dias sem vida e sem cor decalcados de um modelo pré-definido desnudado de qualquer elemento novo ou surpreendente. Dias regulados pelos ponteiros de um relógio lento e cansado que se arrastava minuto após minuto sem alegria e sem urgência de viver.
No domingo de manhã, como quem cumpre um ritual, reescrevia-os meticulosa e religiosamente. Passava-os a tinta, dava-lhes cor e sentia neles o pulsar da vida.Quando terminava a reinvenção da sua semana, deitava fora as raspas de borracha e relia a sua vida imaginária como quem lê um romance empolgante ou um livro de aventuras. E sorria porque era feliz. Tinha a prová-lo aquele caderno, outrora pálido, onde a sua existência ganhara sentidos e emoções.
E, feliz com a sua vida feita de dias de todas as cores, reencontrava ânimo para mais uma semana, escrita a lápis, que começava às oito em ponto, ponteando camisas na pequena fábrica fria que ficava do outro lado da ponte.




quarta-feira, 20 de junho de 2007

Do cante alentejano...
Dentro de seis anos, a candidatura do cante alentejano a Património Imaterial da Humanidade será entregue à UNESCO, tendo como entidade promotora a Delegação Regional de Cultura do Alentejo, em associação com a Região de Turismo, as autarquias, escolas, associações e universidade. Para defesa da candidatura terá como embaixadores Vitorino e Janita Salomé.
Se o cante alentejano é conhecido de todos os portugueses, o mesmo já não acontece com a sua origem e evolução.
A revista Actual (12/05/2007) contactou o padre António Alfaiate Marvão, um dos maiores especialistas em cantares alentejanos, que situou a origem do cante alentejano no século XVI. Segundo o padre Marvão “o cante alentejano apresenta “vestígios” do sistema modal grego, adaptado e modificado por S.Gregório” acrescenta, ainda, que “o cante com as características que hoje se lhe conhecem tem por base melodias em tons maiores, apresenta o soluço eclesiástico, ou a pausa para respirar no meio da palavra, e mantém o acorde de trítono”.
De acordo com as informações fornecidas pela Actual, durante o século XV alguns frades da Serra d’Ossa terão frequentado as escolas de polifonia clássica e, posteriormente, terão ido para Serpa onde fundaram o convento dos paulistas e escolas de cante popular. A partir do século XVI começou uma lenta evolução originada pela necessidade de adaptar o cante à vida quotidiana das populações bem como à sua capacidade vocal. Apenas no século XIX se dá por consolidado musicalmente o cante, mais próximo do cantochão e afastado do gregoriano, como o conhecemos actualmente.
Aquele que é referenciado como o primeiro rancho organizado data de 1929 – o Grupo Coral e Etnográfico de Serpa – e actuou no Casino Estoril numa cerimónia de Estado. Foi a partir deste espectáculo que um importante musicólogo inglês (Rodney Gallop) tomou conhecimento, através do embaixador inglês, dos cantares alentejanos, tendo-se deslocado, em 1933, ao Alentejo para estudar este cante.
Foi, também, nos anos 30 que o musicólogo português Armando Lança se dedicou ao seu estudo e que Fernando Lopes-Graça e Michel Giacommetti fizeram uma recolha completa dos cantares alentejanos da margem esquerda do Guadiana.
É, ainda, de referir que deverá utilizar-se a designação cante, e não canto, obedecendo à pronúncia do povo alentejano, pois de acordo com Lindley Cintra “o povo quando modifica uma palavra para facilitar a sua pronúncia dá uma prova de inteligência”.
Foto: Grupo Etnográfico Vozes de Almodôvar