quarta-feira, 30 de novembro de 2005

O som da solidão


Pode ser o som do silêncio… ou o burburinho de uma multidão…
É o ranger de uma porta que se abre numa casa quase desabitada. O som da chave que se pousa sobre um móvel, onde permanecerá até que a pessoa que aí a colocou - quem mais? - a volte a utilizar. O som dos próprios passos sobre o tapete. É o som de um aparelho de rádio que debita as mesmas notícias de meia em meia hora. Do virar das páginas dos livros que se lêem compulsivamente e nos quais se procura companhia. O som dos nossos pensamentos.
A solidão soa a conversas distantes na mesa do café ou no local de trabalho. Soa a diálogos de surdos numa conversa telefónica em que apenas o eco nos devolve as palavras. É o som da resposta desajustada à pergunta que fizemos. Ou a pergunta que se segue à resposta por nós dada fazendo-nos sentir que as palavras proferidas têm um significado completamente diferente para quem as ouve, como se se falasse uma qualquer língua estrangeira quase desconhecida neste nosso cantinho peninsular. É o som das conversas e gargalhadas que nos rodeiam, indiferentes ao que possamos sentir. Tem o som dos temas banais que se discutem. O som das generalidades que tocam superficialmente a todos mas que se furtam a revelar alguém. Soa ao momento de felicidade ou de aparente aborrecimento que se comentam sem se aprofundar. Soa ao cumprimento socialmente correcto e vazio e à palavra de conforto dita sem sentimento. Tem o som das conversas que não se têm. Das discussões de factos e ideias que terminam quase antes de começar. É o som da vida exterior indiferente a tudo o que de mais humano existe em nós.