sexta-feira, 5 de outubro de 2007

L.

Parecia-me feliz. Não é. A ausência de mau humor deve-se à boa educação ou ao, ainda, pouco à-vontade.
Parecia-me integrado. Não está. Os colegas limitam-se a empurrar a cadeira, abandonando-o, em seguida, para ir fazer uma qualquer outra actividade que lhe está vedada.
Questiono-me sobre o papel que a escola deve ocupar na vida de um jovem com graves limitações de mobilidade e que sofre de uma doença degenerativa. Será pertinente gastar a mobilidade que ainda resta em aulas de recuperação para entender o que são articuladores/conectores completivos, palavras derivadas por parassintetismo ou um sujeito nulo expletivo? O tempo que se despende a compreender os heterónimos de Fernando Pessoa ou caracterizar a Blimunda de Saramago será mais importante do que aprender ou desenvolver uma actividade que vá de encontro aos próprios interesses e que possa proporcionar algum prazer?
Cada vez que exijo a realização de uma tarefa, sinto-me um carrasco e acho que o tempo seria mais útil e bem aproveitado se passado a conversar, a rir, a apanhar sol, sentir o vento no rosto ou construir histórias imaginárias a partir dos desenhos das nuvens.
Esforço-me para esconder o constrangimento que me provoca assistir à dificuldade em conseguir encontrar um local onde se possa trabalhar numa escola que se diz inclusiva mas que é construída a pensar, apenas, em alunos “normais” ou a impossibilidade de fazer uma pesquisa na biblioteca escolar ou municipal por ambas se encontrarem no 1ºandar.
Deixei-me apanhar na teia da pena e sei que, agora, o trabalho que devo desenvolver poderá ser prejudicado. Mas aos dezoito anos corremos atrás dos sonhos e empurramos o mundo. Não é justo que se fique sentado à espera do que lhe está reservado, sendo empurrado por quem resolve fazer a boa acção do dia.