sábado, 23 de junho de 2007


reinventando os dias e a vida


Escrevia os dias a lápis. Um lápis cinza e baço que desenhava sempre as mesmas letras e palavras tristes sobre um caderno pálido e inerte.Os seus dias sem vida e sem cor decalcados de um modelo pré-definido desnudado de qualquer elemento novo ou surpreendente. Dias regulados pelos ponteiros de um relógio lento e cansado que se arrastava minuto após minuto sem alegria e sem urgência de viver.
No domingo de manhã, como quem cumpre um ritual, reescrevia-os meticulosa e religiosamente. Passava-os a tinta, dava-lhes cor e sentia neles o pulsar da vida.Quando terminava a reinvenção da sua semana, deitava fora as raspas de borracha e relia a sua vida imaginária como quem lê um romance empolgante ou um livro de aventuras. E sorria porque era feliz. Tinha a prová-lo aquele caderno, outrora pálido, onde a sua existência ganhara sentidos e emoções.
E, feliz com a sua vida feita de dias de todas as cores, reencontrava ânimo para mais uma semana, escrita a lápis, que começava às oito em ponto, ponteando camisas na pequena fábrica fria que ficava do outro lado da ponte.