domingo, 25 de junho de 2006

de... passagem


Li há uns anos (muitos anos!) uma crónica que comentava o comportamento dos peões nas passadeiras. Nessa altura ainda eu não era condutora mas lembro-me que me diverti com a visão do cronista, que não recordo quem era, embora tenha suspeitas. Em traços muito gerais, dizia ele, que frequentemente o transeunte abranda o passo quando atravessa uma passadeira e faz tudo aquilo que não se lembra de fazer quando passa noutro local e a este propósito desfilava um rol de exemplos bastante caricatos.
Agora que sou condutora e que tenho uma visão privilegiada sobre o assunto, confirmo que o cronista exagerou muito pouco na sua descrição. Observo muitas vezes que o comum dos peões quando se encontra sobre a passadeira, com um ou vários carros e os respectivos ocupantes à espera que ele atravesse a via, se sente tomado de um tal poder que o impele a prolongar o mais possível aquela travessia. Frequentemente, fá-lo a olhar para o condutor com uma expressão de orgulho.
Também há os que correm na passadeira até terem a certeza que estão perante um veículo que parou para os deixar atravessar e nesse momento, talvez vencidos pelo cansaço, reduzem drasticamente o passo e o que era uma correria, certamente por pressa de chegar a algum local, se torna num descontraído e vagaroso passeio contemplativo.
Este prazer em atravessar quando se têm automóveis à espera é ainda mais notório em peões que aguardam pacientemente junto da passadeira enquanto olham para a esquerda e a direita, confirmam que não há qualquer vestígio de trânsito e permanecem quietos e ledos até que um carro se aproxima e só nesse momento resolvem atravessar, por vezes lançando um olhar ameaçador ao condutor como quem diz: “Calminha! Nem te atrevas a avançar que agora passo eu!!!” - assim mesmo neste tom, pois, como toda a gente sabe, em discussões as ameaças ocupam o lugar das fórmulas de delicadeza e é tudo “tu cá, tu lá”.
Este comportamento terá, certamente, uma explicação psicológica quiçá sociológica. Sendo áreas que não domino, não me atreverei a tecer teorias… Suspeito mesmo que haverá alguma comissão a quem tenha sido atribuída essa tarefa, mas não deixa de ser um comportamento que me diverte... ou que me irrita, consoante o estado de espírito do momento.