Ontem fui à missa. Não é, nem de longe, um hábito meu. Aliás, se exceptuar as missas dos casamentos e funerais, não ia a uma missa há mais de dez anos. Ainda me lembro… foi um domingo de manhã, era época de exames e tinha passado as noite anteriores a estudar. Nessa manhã resolvemos, eu e alguns amigos da faculdade, ir à missa. Para ser franca, resolveram eles, jovens do norte e muito mais dados ao cumprimento de rituais religiosos. Eu, sulista dos pés à cabeça que nunca teve catequese nem fez a 1ª comunhão, não teria tido essa ideia. E dessa manhã de prática religiosa apenas me ficou esta recordação: a ideia de ir à igreja e assistir à missa, seguida de um almoço improvisado no jardim da cidade antes de voltar a um árduo e intenso estudo.
Voltando ao início: ontem fui à missa. Não era a minha intenção. Pretendia apenas entrar na igreja. Queria sentir durante alguns minutos a paz que me pareceu apenas conseguir encontrar naquele lugar. Quando cheguei e ouvi os cânticos senti-me muito bem e resolvi ficar. Sentei-me no último banco, como fazem nas escolas os alunos mal comportados.
Pouco depois, o pároco falou de mulheres estéreis e achei-o cruel. Falou das mães de Sansão e S. João Baptista (se não me está a falhar a memória) e da bênção que é poder gerar uma criança. Até aqui posso concordar. Mas a conversa que se seguiu pareceu-me brutalmente discriminatória. Enquanto ouvia as palavras que proferia pensava que alguma paroquiana presente que quisesse dar à luz um filho e não conseguisse deveria sentir-se muito diminuída, como se estivesse a pagar um qualquer pecado cometido, e inferior a todas as outras que conseguem ser mães. Em seguida, condenou (ainda que não abertamente) as mulheres que por razões profissionais, económicas ou outras adiam ou abdicam dessa bênção. Discordo duplamente. Deveria este padre saber que todas as mulheres, embora sem negarem que ter a capacidade de gerar uma vida é uma bênção, têm direito a decidir se querem ou não ser mães. Deveria, ainda, este padre saber que se todas as mulheres tomassem esta decisão de acordo com as suas condições económicas, sociais e principalmente psicológicas, haveria menos crianças abandonadas em lares de acolhimento, menos crianças que passam muito mais tempo na rua do que em casa, que são (des)educadadas em ambientes demasiado duros até para adultos, menos crianças violentadas e usadas como escudo dos pais.
Acabei por me distrair e não ouvi o resto da homília. Apenas despertei dos meus pensamentos quando voltei a ouvir os cânticos.
Quando a missa terminou e saí da igreja estava uma mulher com bastante idade, sentada nos degraus, a pedir esmola. É proibido mendigar naquele local, eu sei. Creio que toda a gente que saiu da igreja sabia. Quero acreditar, também, que apenas por essa razão ninguém lhe deu uma moeda ou, pelo menos, lhe dirigiu um olhar piedoso. Apenas por essa razão, saíram todos alegremente a ligar os telemóveis, a falar das prendas que ainda têm de comprar, a combinar o jantar do próximo fim-de-semana. Apenas por essa razão ninguém olhou para aquela mulher e pensou se seria aquela uma das infelizes estéreis e, por essa razão, abandonada ou apenas uma mãe talvez esquecida pelos filhos.