sábado, 30 de junho de 2007

7h52 – 8h04


Entre as 7h52 e as 8h04, de Segunda a Sexta-feira. Sempre. O livro pousado sobre as pernas, o olhar perdido pela carruagem, o cabelo a roçar ligeiramente os ombros e vestindo, invariavelmente, tons claros.
Limita-se a contemplá-la, a fixar-lhe os traços e a expressão doce e misteriosa. Adivinha-lhe a respiração que a distância de dois metros o impede de sentir. Calcula pelo marcador a quantidade de páginas lidas.
Apenas à noite preenche o serão solitário construindo-lhe uma história pessoal. Recorda a pouca distância percorrida pelo marcador e adivinha-lhe uma vida muito ocupada. Chegará tarde a casa? Quem terá à sua espera? Filhos ou pais que precisem de cuidados? Um marido que a beija e abraça? Tenta adivinhar-lhe a localização. Sabe, apenas, que está no comboio quando ele entra, com o livro abandonado sobre os joelhos… Estará já cansada?
Sozinho, imagina hipotéticas abordagens e constrói diálogos casuais. Parecem-lhe todos forçados e vulgares. Teme a reacção ao ser abordada. Talvez se sinta invadida no seu espaço. Talvez aceite o diálogo para atenuar o silêncio pesado da viagem.
Decorrem dias, semanas, meses. Sabe que não pode continuar com aquela mulher a povoar-lhe os sonhos, a quebrar-lhe a rotina das noites vazias.
Véspera de mais um fim-de-semana. Sente que não pode continuar a imaginar-lhe vidas. Tem de agir e vai fazê-lo. No último segundo antes de alcançar a paragem onde se despede, tenta captar-lhe o olhar e sorri. Ela corresponde.
Passa a manhã agitado e ansioso. Tem dificuldade em trabalhar. O primeiro passo foi dado, e agora? O desenvolvimento normal seria a passagem ao diálogo. E se o conhecimento dela o desiludir? E se nenhuma das vidas que lhe imaginou for a sua? Se não possuir nenhuma das qualidades que lhe atribuiu? Toma uma decisão.
Segunda-feira, 7h52: dorme tranquilo. O chefe acedeu a trocar-lhe o horário e passará a fazer o turno da tarde. Enterrou definitivamente a desconhecida do comboio e recuperou o equilíbrio da sua existência vazia.








terça-feira, 26 de junho de 2007

Incompatibilidades


Fui sempre uma criança obediente e ainda hoje sou, geralmente, uma adulta bem mandada. Mas devo confessar que tenho uma total incompatibilidade com agentes da autoridade.
Quando um agente da autoridade me interpela e me diz com um misto de mal disfarçada felicidade e de informação paternalista “A senhora condutora tem aqui um problemazito…” eu devia procurar a minha voz mais doce e perguntar inocentemente “A sério, senhor guarda? Eu peço imensa desculpa, mas é que … (espaço para uma qualquer patranha adequada à situação)” mas em vez disso, respondo insolentemente “Já vi que está com vontade de me multar. Vá, diga lá o que é que conseguiu encontrar…” E, obviamente, em poucos segundos, sou informada da quantia a desembolsar.
Sofro, também, de uma incompatibilidade profunda com os imbecis que, sem qualquer necessidade, estacionam nos lugares reservados a deficientes apenas porque, por razões óbvias, se localizam mais próximo da entrada. Apetece-me insultá-los e fazer-lhes notar a sua falta de: civismo, educação, respeito, sensibilidade e o excesso de: estupidez, egoísmo, arrogância, desrespeito. Consigo controlar-me e não fazer mais do que olhar fixamente para a viatura estacionada e para a sinalização numa tentativa (frustrada) de lhes dar a entender o disparate que fizeram. Mas este tipo de condutor não costuma ter inteligência que lhe permita entender estas subtilezas. A vantagem desta minha segunda incompatibilidade é que me é menos dispendiosa do que a primeira, pois, caso contrário, ver-me-ia com sérias dificuldades financeiras devido à excessiva frequência com que me ocorre.
Mas grave mesmo é quando me deparo com uma situação de 2 em 1. Ou seja: o veículo que está estacionado no lugar reservado a deficientes pertence à GNR ou à PSP e, como se não bastasse ocupar um lugar, está estacionado de forma a ocupar dois. Nestes casos tenho de fazer um esforço enorme para raciocinar e manter-me calada pois apetece-me dizer aos senhores agentes que têm de fazer uma revisão do código da estrada, que para ficar de porta aberta a relaxar antes de partir à caça de mais umas multas podiam fazê-lo num outro lugar e deixar aqueles para quem, de facto, possa precisar, que um pouco de civismo é fundamental e que deveriam ter um comportamento que pudesse servir de exemplo, pois só assim poderão, realmente, merecer o respeito e a designação de agentes da autoridade.
Mas tenho de me manter calada, sob pena de ser acusada de desacato à autoridade, e a sensação de injustiça e impotência que essa imposição me provoca tem a capacidade de me estragar o dia.




Tertúlia

"Tertuliano é um doutor da Igreja muito importante dos séculos II e III (150-220) que vem assim definido no Lello Prático Ilustrado: “doutor da Igreja, n. em Cartago, génio poderoso, absoluto e sombrio, apologista de grande valor, mas adepto da heresia de Montano.” O seu prestígio foi tão brilhante, sobretudo no campo da apologética que, por muito tempo, o modo dos debates públicos em que ele participava foram seguidos e imitados de tal maneira que ainda hoje se chama tertúlia a um grupo de pessoas que têm o costume de se reunirem para debater, discutir, conversar sobre temas filosóficos, literários, políticos, etc. "
Tento na língua!, António Marques

segunda-feira, 25 de junho de 2007


David Kepesh, professor e crítico de arte, de mais de sessenta anos, tem um comportamento bastante libertino no que se refere às mulheres. Habituado a envolver-se, sem compromisso, com as suas (ex-) alunas apaixona-se, inesperadamente, de forma obsessiva por Consuela, de apenas 24 anos.
Este breve romance vai desde a descrição quase pornográfica da relação entre ambos até ao levantamento de questões sobre a paixão, o amor, o ciúme, o envelhecimento e a sua (não) aceitação, a doença e a morte, as convenções sociais, em suma: a fragilidade do ser humano.


“Há que fazer uma distinção entre morrer e a morte. Nem tudo é morrer ininterruptamente. Se somos saudáveis e nos sentimos bem, vamos morrendo invisivelmente. O fim, que é uma certeza, não tem de ser arrojadamente anunciado. Não, não podemos compreender. A única coisa que compreendemos acerca dos velhos é que foram marcados pelo seu tempo. Mas compreender apenas isso imobiliza-os no seu tempo, o que equivale a não compreender nada.” p. 38

“O ciúme: esse veneno. E sem motivo. Ciumento mesmo quando ela me diz que vai patinar no gelo com o seu irmão de dezoito anos. Será ele que a leva, que ma rouba? Com estes obsessivos casos amorosos deixamos de ser a pessoa confiante que éramos, não o somos quando estamos no seu vórtice e também quando a rapariga tem quase um terço da nossa idade. Sinto-me ansioso se não falo com ela ao telefone, todos os dias, e volto a sentir-me ansioso depois de falarmos. (…) Mas quando, raramente, há um dia em que consigo disciplinar-me o suficiente para não falar com ela, não lhe telefonar, não a lisonjear, não soar a falso, não ficar ressentido com o que, inconscientemente, ela me faz, é ainda pior. Não consigo parar de fazer seja o que for que esteja a fazer, e tudo quanto faço me deixa transtornado. Não sinto, com ela, a autoridade necessária à minha estabilidade, e no entanto ela procura-me por causa dessa autoridade.
Nas noites em que não está comigo transtorna-me pensar onde poderá estar e o que estará a fazer. No entanto, até mesmo depois de ela ter passado o serão comigo e ido para casa, não consigo dormir. A vivência dela é demasiado forte. Sento-me na cama e, no meio da noite, grito: “Consuela Castillo, deixa-me em paz!” Basta, digo a mim mesmo. Levanta-te, muda os lençóis, toma outro duche, livra-te do cheiro dela e depois livra-te dela. Tem de ser. A relação com ela tornou-se numa campanha infindável." (pp 40-41)

O Animal Moribundo, Philip Roth

sábado, 23 de junho de 2007


reinventando os dias e a vida


Escrevia os dias a lápis. Um lápis cinza e baço que desenhava sempre as mesmas letras e palavras tristes sobre um caderno pálido e inerte.Os seus dias sem vida e sem cor decalcados de um modelo pré-definido desnudado de qualquer elemento novo ou surpreendente. Dias regulados pelos ponteiros de um relógio lento e cansado que se arrastava minuto após minuto sem alegria e sem urgência de viver.
No domingo de manhã, como quem cumpre um ritual, reescrevia-os meticulosa e religiosamente. Passava-os a tinta, dava-lhes cor e sentia neles o pulsar da vida.Quando terminava a reinvenção da sua semana, deitava fora as raspas de borracha e relia a sua vida imaginária como quem lê um romance empolgante ou um livro de aventuras. E sorria porque era feliz. Tinha a prová-lo aquele caderno, outrora pálido, onde a sua existência ganhara sentidos e emoções.
E, feliz com a sua vida feita de dias de todas as cores, reencontrava ânimo para mais uma semana, escrita a lápis, que começava às oito em ponto, ponteando camisas na pequena fábrica fria que ficava do outro lado da ponte.




quarta-feira, 20 de junho de 2007

Do cante alentejano...
Dentro de seis anos, a candidatura do cante alentejano a Património Imaterial da Humanidade será entregue à UNESCO, tendo como entidade promotora a Delegação Regional de Cultura do Alentejo, em associação com a Região de Turismo, as autarquias, escolas, associações e universidade. Para defesa da candidatura terá como embaixadores Vitorino e Janita Salomé.
Se o cante alentejano é conhecido de todos os portugueses, o mesmo já não acontece com a sua origem e evolução.
A revista Actual (12/05/2007) contactou o padre António Alfaiate Marvão, um dos maiores especialistas em cantares alentejanos, que situou a origem do cante alentejano no século XVI. Segundo o padre Marvão “o cante alentejano apresenta “vestígios” do sistema modal grego, adaptado e modificado por S.Gregório” acrescenta, ainda, que “o cante com as características que hoje se lhe conhecem tem por base melodias em tons maiores, apresenta o soluço eclesiástico, ou a pausa para respirar no meio da palavra, e mantém o acorde de trítono”.
De acordo com as informações fornecidas pela Actual, durante o século XV alguns frades da Serra d’Ossa terão frequentado as escolas de polifonia clássica e, posteriormente, terão ido para Serpa onde fundaram o convento dos paulistas e escolas de cante popular. A partir do século XVI começou uma lenta evolução originada pela necessidade de adaptar o cante à vida quotidiana das populações bem como à sua capacidade vocal. Apenas no século XIX se dá por consolidado musicalmente o cante, mais próximo do cantochão e afastado do gregoriano, como o conhecemos actualmente.
Aquele que é referenciado como o primeiro rancho organizado data de 1929 – o Grupo Coral e Etnográfico de Serpa – e actuou no Casino Estoril numa cerimónia de Estado. Foi a partir deste espectáculo que um importante musicólogo inglês (Rodney Gallop) tomou conhecimento, através do embaixador inglês, dos cantares alentejanos, tendo-se deslocado, em 1933, ao Alentejo para estudar este cante.
Foi, também, nos anos 30 que o musicólogo português Armando Lança se dedicou ao seu estudo e que Fernando Lopes-Graça e Michel Giacommetti fizeram uma recolha completa dos cantares alentejanos da margem esquerda do Guadiana.
É, ainda, de referir que deverá utilizar-se a designação cante, e não canto, obedecendo à pronúncia do povo alentejano, pois de acordo com Lindley Cintra “o povo quando modifica uma palavra para facilitar a sua pronúncia dá uma prova de inteligência”.
Foto: Grupo Etnográfico Vozes de Almodôvar

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Bom dia a si e ao vasto auditório


Por vezes ouço os fóruns matinais da TSF ou Antena 1. Creio que também os há noutras estações de rádio e não sei se ainda continua o da SIC Notícias… Provavelmente existirá esse e outros que desconheço. Li em tempos que era moda que se tinha espalhado facilmente pois os portugueses tinham aderido com bastante entusiasmo. Assim será, de facto.
Ouvir estes fóruns desperta-me vários sentimentos que vão desde o divertimento à irritação, passando por vezes pela admiração ou indignação. Continuo a surpreender-me quando escuto pessoas que fazem questão de ser ouvidas durante alguns minutos por um número, que suponho, elevado de ouvintes mas que não acrescentam absolutamente nada ao tema que está a ser discutido. Parece que o fazem pela simples, e nada modesta, razão de gostarem de se ouvir. Quase fico intimidada com os que se exaltam e começam a gritar nervosamente relatando situações pessoais ou proferindo insultos. Há os que escrevem previamente um texto que passam a ler, com maior ou menor expressividade, ou os que parecem ansiosos para mostrar as suas qualidades poéticas e escrevem o dito texto em verso, o que pretenderá certamente fazer jus ao nosso pequeno país de poetas. Também os há que exprimem a opinião, que mais não é do que uma opinião entre outras, como se se tratasse de uma verdade inquestionável. Ou os que querem parecer detentores de um qualquer segredo que não podem revelar, mas eles lá sabem e podem garantir que estão em posse de factos inegáveis. Há os que ficam eufóricos porque estão na rádio e só depois de muitas chamadas de atenção assentem, contrariados, a desligar o aparelho radiofónico lá de casa onde se escutavam deliciados enquanto dissertavam sobre o tema em discussão nessa manhã ou outro qualquer de há dois programas ou duas semanas… que importa?
Não nego que há intervenções pertinentes e esclarecedoras ou que simplesmente pretendem transmitir opiniões fundamentadas mas apresentando-as apenas como aquilo que são: opiniões.
No entanto, o que me fica quase sempre que escuto um destes fóruns é o espanto perante a existência de tantos génios que se mantêm escondidos e inactivos, tendo em contas os nossos baixos índices de produtividade, e que apenas despertam nestas manhãs de discussão pública aparecendo cheios de dinamismo, inteligência e ideias brilhantes para depois voltarem a hibernar até que consigam novamente ter uns minutos de antena para falarem, directamente, ao vasto auditório.

domingo, 17 de junho de 2007

Sabedoria (im)popular



Não faças hoje....



... o que podes mandar fazer amanhã.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

“Faço grande questão de ser visto. Às vezes, quando saio à rua, vou comprar um sumo mesmo sem ter sede. Se a loja estiver cheia de gente chego ao ponto de deixar cair o troco no meio do chão, com as moedas a resvalar em todas as direcções. Ponho-me então de joelhos. Tenho de fazer um esforço tremendo para me pôr de joelhos e um esforço ainda maior para me levantar. E no entanto. Talvez faça figura de palerma. Entro na Athlete’s Foot e digo, O que é que têm de sapatilhas? O empregado olha para mim como pobre diabo que sou e mostra-me o par de Rockports que todos trazem calçados. E eu digo, Nã, já tenho uns desses. Dirijo-me então à secção da Reebok, escolho uma coisa que tão-pouco se assemelha a um sapato, umas botas à prova de água, por exemplo, e peço o tamanho 43. O rapaz olha para mim outra vez, com mais atenção. Encara-me de modo firme e severo. Número 43, repito eu agarrando num botim. Quando ele volta já eu estou a descalçar as meias. Enrolo as pernas das calças para cima e fico a mirar essas coisas decrépitas que são os meus pés até se tornar claro, ao fim de um minuto de embaraço, que estou à espera que trate de mos enfiar dentro das botas. Nunca compro nada. Só não quero é morrer um dia sem ser visto.” (p. 10) A história do amor, Nicole Krauss
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Descrição da contracapa:
Leo Gursky tenta sobreviver mais algum tempo, batendo no radiador todas as noites para dar a saber ao seu vizinho de cima que ainda está vivo e fazendo recair sobre si as atenções ao balcão do Starbucks do bairro. Mas a vida nem sempre foi assim: há sessenta anos, na aldeia polaca onde nasceu, Leo apaixonou-se e escreveu um livro. E, embora não o saiba, esse livro também sobreviveu: atravessou oceanos e gerações, e mudou vidas. Alma tem catorze anos e foi assim baptizada em honra deuma personagem desse livro. Passa a vida a vigiar Bird, o seu irmão mais novo (que acredita poder ser o Messias) e a tomar notas num caderno intitulado Como Sobreviver na Selva – Volume III. Mas no dia em que uma misteriosa carta lhe chega pelo correio começa uma aventura para descobrir a sua homónima e salvar a família. Neste seu extraordinário novo romance, Nicole Krauss criou algumas das personagens mais memoráveis e tocantes da ficção recente numa história transbordante de imaginação, humor e paixão.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

quarta-feira, 13 de junho de 2007

O tempo que não passa…

É incrível que o tempo passe por nós sem que nos apercebamos e só reparemos que ele passou pela imagem que recebemos dos outros.
Lembro-me que quando era criança ouvia muitas vezes a minha avó, com idade já bastante avançada, afirmar “Aquela rapariga é da minha idade” ou “Há muito tempo que não via aquele rapaz”. Eu procurava-os com o olhar e surpreendia-me ao constatar que a rapariga ou o rapaz eram uma senhora ou um senhor com uma respeitável cabeleira branca, ou a ausência dela, e que tinha no rosto as marcas deixadas pelas experiências da vida.
Mais tarde, observei que também os meus pais se referiam da mesma forma a pessoas que, não tendo ainda uma idade tão avançada, também estavam longe de ser o que eu considerava um rapaz ou uma rapariga. Para mim era muito estranho que eles não compreendessem que as pessoas a quem se referiam eram adultos! Eram os pais dos meus amigos e colegas da escola e esses sim eram rapazes e raparigas… como eu!
Continuo a surpreender-me, mas já não com estes comentários, que pelo menos à minha avó não terei oportunidade de voltar a ouvir. Agora surpreendo-me quando encontro rapazes e raparigas que foram meus colegas e verifico que dos meninos que eu conheci não restou nada além da cor dos olhos, do cabelo e algum gesto ou expressão. Agora são independentes, trabalham, formaram as suas famílias e muitos têm filhos. Os rapazes e as raparigas que brincavam comigo ou faziam tropelias na escola, agora são o bancário, o enfermeiro, o dono do café, o vendedor, o professor, o polícia, o advogado, o desempregado, o dentista, o mecânico ou o psicólogo…
Colocaram de lado a bola, as bonecas e os carrinhos. Já não usam mochila e quando compram cadernos, lápis e borrachas são para os filhos e interessam-se pelo preço. Já não correm na rua ou quando o fazem não se divertem, fazem-no com um ar comprometido ou furioso e é apenas para não chegar tarde ao emprego ou para não perder o autocarro.
Se me ocorre, em alguma circunstância, ser atendida por algum deles que não me reconhece trata-me por “senhora” e já não me tentam subornar para que os ajude nos testes em troca de lápis de colorir ou de uma pedra de forma irregular. Também já não discutimos para decidir quem tem o pai mais forte, o irmão mais chato ou a professora mais bonita.
Sabem o valor do défice, o preço da gasolina e o valor da prestação da casa mas não sabem o nome de todas as bonecas, quantos carros vermelhos passaram na rua na última meia hora nem quantos tinham matrículas com capicuas. Já não dizem ser o Homem-Aranha, a Super-Mulher ou o Batman. Alguns até esqueceram tudo o que queriam ser de tão ocupados que estão e se alguém lhes lembrar, provavelmente, vão dizer que é um disparate, uma idiotice de quem não cresceu e vive preso a recordações de infância.
Ganharam idade, ganharam poder, há quem diga que ganharam juízo. Tomam decisões, resolvem problemas, dão ordens fundamentadas por vezes, outras vezes apenas “porque sim” ou “porque não” como as que detestavam receber quando eram crianças. Alguns aprenderam técnicas infalíveis na arte de negociar ou seduzir e têm sucesso numa ou em ambas. Mas perderam a capacidade de se encantarem com uma gota teimosa que entra pela janela mal calafetada, com as poças de água nos dias de chuva ou com a lagarta verde que se passeia vagarosamente na folha de couve.
Também eu cresci. Também eu não sou a menina que era… Somos todos adultos, mas para mim são, e continuarão a ser, o rapaz ou a rapariga que brincava no recreio ou no jardim. E, mesmo com o actual cabelo grisalho de alguns e com o futuro cabelo branco e movimento condicionado de todos, vê-los-ei sempre com um sorriso no olhar, a brincar e a correr pela vida fora.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Origem da expressão "a toque de caixa"
"Caixa — termo simplificado de «caixa de rufo» ou «caixa de guerra» — era a designação de tambor, que foi trazido para a Europa pelos Árabes. A caixa é o corpo oco do tambor: a caixa de ressonância. Como os exercícios militares eram acompanhados pelo som de tambores, dizia-se que «os soldados marchavam a toque de caixa.»
É por isso que hoje se diz que alguém anda «a toque de caixa» quando tem de fazer qualquer coisa depressa, eventualmente a mando de alguém ou à força, mesmo.
Por outro lado, na Idade Média, era costume escorraçar os indesejáveis (ébrios, indolentes, arruaceiros ou ladrões) ao som de tambores — ou seja, «a toque de caixa» — para fora das localidades, expulsando-os da comunidade.«A toque de caixa» dizia-se, portanto, da situação de alguém que era obrigado a desaparecer, a fugir, de forma rápida e violenta.
A(c)tualmente, diz-se que alguém anda «a toque de caixa» quando tem de fazer qualquer coisa depressa, com tempo limitado e, eventualmente, a mando de alguém, sem vontade própria." in http://ciberduvidas.sapo.pt/

domingo, 3 de junho de 2007

“Este romance é uma viagem alucinante pelos labirintos do desejo e da solidão, que nos arrasta para lá das convenções dos géneros e do sexo, conduzindo-nos ao conhecimento da vertigem. A escrita transparente e comunicante de Patrícia Reis ganha corpo e espessura nesta narrativa polifónica orquestrada pela obsessão do Grande Amor – aquela luz infinita que simultaneamente cega e acende a verdade íntima de cada um de nós. Este livro morde-nos, de facto, o coração – e é para isso que servem os bons livros.” apresentação de Inês Pedrosa


“A questão não é saber se o amor nos aconteceu. Isso é tão relativo que o silêncio é melhor. Percebe-se melhor. Naqueles dias eu achava que não éramos nada, tu e eu. (…) Podíamos rir e chorar, contar as desventuras da adolescência, as maldades paternas, tudo. Podíamos sem consequências, porque nada do que te disse era verdade e, por isso, me poupava nas palavras para não te castigar com tantas mentiras.
Tudo o que passámos, naqueles dias, não era definitivo, não tinha coordenadas futuras, seria, por fim, o crescendo que iria morrer de repente. Olhava-te no sono e pensava que sabia exactamente a data em que o amor se iria desfazer.
A ilha estava congelada no nosso abraço. Nos teus pensamentos era tudo o que fazia sentido. Eu tinha um prazo. Uma vida à minha espera, um regresso feito de poucas memórias. Ficarias em terra, náufrago de mim, sem perceber os destroços de nós. (…)
Não tenho coração, pensava nas noites em que ficávamos a olhar o reflexo da lua no atlântico. (…)
Hoje, quero que saibas que não te disse nada e quando te pedi para me morderes o coração era só para me certificar de que ele existia no meu peito. Tu preferiste beijar-me, nunca me mordeste e, assim, fiquei sem saber.” (pp. 16-17)
Morder-te o coração,
Patrícia Reis

sábado, 2 de junho de 2007


Piódão, 2007

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Mário Vargas Llosa, Travessuras da Menina Má
"Ricardo vê cumprido, muito cedo na vida, o sonho que sempre alimentara de viver em Paris. Mas o reencontro com um amor da adolescência mudará tudo. Essa jovem, inconformista, aventureira, pragmática e inquieta, arrastá-lo-á para fora do estreito mundo das suas ambições.Criando uma admirável tensão entre o cómico e o trágico, Mario Vargas Llosa joga com a realidade e a ficção para dar vida a uma história na qual o amor se nos revela indefinível, senhor de mil caras, tal como a menina má.Paixão e distância, sorte e destino, dor e prazer... Qual é o verdadeiro rosto do amor? "(apresentação do editor)
E é, sem dúvida, um apaixonante e belíssimo romance.